O trabalho apresentado é um recorte do segundo capítulo da minha tese sobre o movimento indígena na região de Crateús, sertão do Ceará (Palitot, 2010). O objeto da tese foi a investigação de um movimento social formado por agrupamentos indígenas numa das regiões tidas como berço da nacionalidade brasileira, onde as diferenças étnicas e raciais, desde muito, haviam sido apagadas pela miscigenação que promoveu a uniformização da sociedade. Contudo, é dessa mesma região que brotam as reivindicações de diferença étnica. Reivindicações feitas, sobretudo, no plano dos direitos políticos e sociais. Onde antes havia homogeneidade, hoje se postula a diversidade, a alteridade e reivindicações de direitos sociais baseados em diferenças étnicas e culturais. O universo social sertanejo diversifica-se, transforma-se e adquire novas feições, com novos conflitos emergindo junto a novos grupos sociais. A tese voltou-se, portanto, para a compreensão dos processos de construção de grupos indígenas num contexto marcado por mudanças sociais e políticas referentes à cidadania e ao papel da diferença cultural nos jogos políticos contemporâneos. Tenho tomado o movimento indígena na região de Crateús como um processo de organização social específico dentro de uma dinâmica mais ampla de articulação social e política translocal, movida inicialmente pela ação missionária, e que nos últimos anos tem as políticas públicas indigenistas como seu contraponto de diálogo e confronto mais significativo. O texto está centrado nas complexas relações entre representações hegemônicas e contra-hegemônicas a respeito dos povos indígenas e de como estas representações são trabalhadas a partir de contextos de enunciação narrativa diversificados.