Este estudo trata da recomposição identitária pela qual passou a luta dos Ryukyu (atual prefeitura de Okinawa, no Japão) durante a primeira metade do Século XX. De fato, no caso do Karate, trata-se de uma luta com fortes influências chinesas. O Karate é amplamente praticado em todo o planeta, mas seu processo de difusão mundial só ocorre após a mudança para o nome usado atualmente. Anteriormente, porém, outras denominações eram utilizadas para designar essa luta, sempre com forte ligação ao imaginário daquele momento histórico (zeitgeist). Segundo descobertas dos arqueólogos, temos comércio marítimo realizado pelo povo dos Ryukyu que inicia 10.000 anos atrás. Esse comércio ocorria principalmente para levar os vasos ornados inventados no período Joumon do Japão para outros países da região como China e Coréia. Podemos então inferir que desde esses tempos os marinheiros dos Ryukyu desenvolveram práticas de autodefesa e proteção dessas cargas comerciais. Essa inferência é corroborada por registros posteriores, em que documentos do período do Império Ming identificam os marinheiros dos Ryukyu como os mais temíveis guerreiros do mar asiático. Depois, no século XIX, Quando a luta de Okinawa é introduzida no Japão, passa por apropriações nesse novo contexto, renegociando sua identidade, abandonando a identidade chinesa e assumindo representações identitárias nipônicas. Para compreender esse fenômeno foram coletados indícios sobre o uso do nome Karate em fontes impressas e documentais primárias e confrontadas com a literatura corrente, sendo posteriormente analisados à luz das categorias da História Cultural. Este estudo revela uma drástica quebra no paradigma atual. Atores diferentes daqueles comumente identificados como centrais no processo histórico concernente ao Karate se mostram responsáveis pela mudança do nome, contrariando o senso comum. Além disso percebemos que o processo pode ter ocorrido em meio a muitas resistências e disputas de poder. Essas disputas são muito pouco reportadas na literatura mais popular entre os praticantes de Karate, invisibilizando, por um lado, o povo de Okinawa no processo de modernização do Karate, e por outro lado criando uma aura mítica sobre a prática que não corresponde à realidade. De fato, essa distorção dos fatos históricos responde aos interesses de um determinado grupo enquanto retira o protagonismo daqueles que durante milhares de anos foram responsáveis pelo desenvolvimento da tradição marcial dos Ryukyu e que tiveram um papel contundente nas ações geopolíticas chinesas como vassalos das últimas dinastias do país do meio. Essa parceria só seria minimizada na restauração Meiji, com a imposição do domínio japonês à Okinawa e do enfraquecimento da China por ação do neocolonialismo. Compreender, portanto, o processo de reinvenção do Karate é conhecer elementos importantes da história da Ásia através da história das Lutas.