Em todas as formas de Budo (arte marcial japonesa) há a ideia de praticar respeitando o princípio da Naturalidade (Shizen). Shizen tem origem em desenvolvimentos culturais da antiga China. As ideias que compõe Shizen estão registradas no Clássico do Caminho e da Virtude de Laozi (Dao De Jing) e foram exportadas ao Japão por volta do Século VI ou VII. Shizen é um estado de equilíbrio e de estabilidade. O desequilíbrio afetaria tanto o mundo quanto o ser humano, que fazem parte do mesmo continuum. Essa visão de mundo vai influenciar muitos desenvolvimentos posteriores, como o Taoísmo, por volta do século II. Juntamente de práticas de auto cultivo e adivinhação, o Taoísmo cria profundas raízes no Japão ao introduzir naquela nação um conjunto de representações que perduram até hoje na visão de mundo nipônica. Esses conceitos impregnam a cultura japonesa, incluindo a religião nativa do Japão, e as práticas marciais que posteriormente se tornam Budo. O objetivo desse estudo é, portanto, compreender o que é o Shizen conforme os registros históricos e as confluências desse pensamento clássico com suas manifestações em tempos recentes, através dos relatos coletados de mestres de Karate de destaque internacional. Neste estudo histórico estaremos analisando documentos e falas de mestres coletadas recentemente em entrevistas. As falas selecionadas são atribuídas a três mestres de Karate de destaque internacional. As fontes históricas foram analisadas à luz da História Cultural e passaram pela Análise de Conteúdo para melhor interpretação histórica dos dados prospectados. O Dao De Jing apresenta cinco ocorrências de menções e explicações de Shizen. No Judô e no Karate há movimentos referenciando Shizen. Nos documentos também há incontáveis menções a Shizen, como a mentalidade ideal a ser cultivada durante o treinamento marcial. Da mesma forma, encontramos nas falas dos mestres a ênfase em buscar a realização do treinamento em um estado de equilíbrio e Naturalidade. Identificamos inclusive o que seria Shizen em relação à frequência cardíaca, frequência respiratória, sensação de esforço e gasto energético durante o treino. Neste caso, o técnico relata a apropriação do conceito de Shizen em um contexto de esporte de alto rendimento. Percebemos que o princípio de Shizen está presente no imaginário de diferentes gerações de karateka, moldando os treinamentos à representações oriundas de formulações culturais com milhares de anos. Trata-se não apenas de uma evidência clara dos processos de racionalização e ritualização das práticas de luta, como também evidência da apropriação e mesmo da reinvenção das tradições do Budo. A compreensão desses processos pode auxiliar muito o ensino das artes marciais japonesas, evitando distorções e o esvaziamento de significados da historicidade dessas práticas.