A diversidade cultural é uma realidade que impõe novas responsabilidades à escola. Longe de constituir-se em obstáculo ou problema, o convívio com as diferenças é uma riqueza. A existência de pessoas com variadas heranças culturais no mesmo espaço obriga a escola a elaborar um currículo que reconheça as diferentes culturas. Em geral, a pertença a um determinado grupo faz-se acompanhar de especificidades que moldam a sua identidade cultural. Numa sociedade heterogênea, a imersão nesse currículo é também necessária para os alunos pertencentes aos grupos dominantes. A aquisição de conhecimentos sobre outras culturas lhes permitirá desenvolver atitudes de reconhecimento e respeito. Dentre as inúmeras formas, as diferenças culturais se expressam também pelos textos produzidos pelas manifestações da cultura corporal. Comumente, o repertório de gestos e práticas corporais cultivados nas comunidades populares é desvalorizado pelos currículos hegemônicos. Tal quadro ocasiona descompasso, afastamento e resistência por parte dos alunos, ou fixação distorcida de signos de classe, etnia e gênero, presentes nas brincadeiras, danças, lutas, ginásticas e esportes tradicionalmente privilegiados na escola. Atentos à problemática, um grupo de docentes atuantes nas redes públicas da região metropolitana de São Paulo tem cotidianamente colocado em ação uma proposta atenta à diversidade cultural e sensível à formação de identidades democráticas, o denominado currículo cultural da Educação Física. Visando reconhecer suas principais características, no presente estudo interpretamos a produção discursiva dos professores acerca da própria prática. Apoiando-nos nos campos conceituais dos Estudos Culturais e do multiculturalismo crítico, por meio de uma bricolagem, articulamos a pesquisa descritiva, o método projetivo e a entrevista narrativa. A hermenêutica crítica inspirou as interpretações do material recolhido e seu entretecimento. A análise dos resultados evidenciou que o currículo cultural da Educação Física rompe com a tradição da área ao potencializar o diálogo entre as diferenças por meio do encontro de variadas representações acerca dos temas da cultura corporal; proporcionar a aproximação, experimentação, análise crítica e valorização de diversas manifestações corporais; revelar-se como um espaço de reconhecimento da cultura corporal subordinada; problematizar os marcadores sociais ocultos nas práticas corporais; e confrontar o ponto de vista hegemônico. Apesar de constatados em graus variados, é possível dizer que o currículo colocado em ação pelos professores abarca princípios (articulação com os objetivos educacionais da instituição educativa, reconhecimento da cultura corporal da comunidade, descolonização do currículo, rejeição ao daltonismo cultural e ancoragem social dos conhecimentos) e procedimentos didáticos (mapeamento e seleção dos temas de estudo, ressignificação das práticas corporais, atividades de aprofundamento e ampliação, e o registro cuidadoso das ações curriculares).