RESUMO: ‘A INTOLER NCIA MATA - o morticínio da boate Pulse expressa bem essa deformação da condição humana, que começa na educação e nos discursos segregacionistas, assumindo proporções devastadoras em mentes radicais ou perturbadas. DC 14 jun 2016’ A notícia soou em diversas mídias, um atentado terrorista na Boate Pulse (E.U.A.) chocou a sociedade e mobilizou a opinião pública global, suscitando reflexões acerca das questões relativas à intolerância e a discriminação nas distintas faces: étnico-racial, de gênero, religiosa, social etc. A banalização da vida humana, de outros seres vivos e da necessidade de estabelecer-se outras formas de relação com o meio ambiente parecem soar inatingíveis, coisa de obra de ficção científica, porém, podem ser percebidas em alguns minutos ouvindo e/ou assistindo a alguma forma de noticiário, podcast, ou em um post de plataformas digitais. A revisão de algumas anotações feitas durante a semana de formação dos professores da EJA, ministrada pela equipe pedagógica da instituição, deparei-me com duas questões-chave: ‘como trazer a cultura local, nacional e internacional/global para as aulas de Artes no CEJA? Quais conteúdos, obras e artistas não poderiam faltar na curadoria educativa para compor o planejamento das aulas? E as estratégias didáticas que melhor poderiam oportunizar aos alunos conhecer, apreciar e fazer/produzir/vivenciar as artes na escola? Oportunamente, tinha deparado com o editorial do DC e com a leitura de algumas matérias a respeito do ato terrorista ocorrido na Pulse e percebi a necessidade de elencar a temática da (IN)tolerância no planejamento e consequentemente nas ações das aulas. Então, organizei uma roda de conversa com os alunos da turma 4M do Ensino Médio do CEJA em Criciúma/SC, justamente porque naquele momento discutia-se a proposta sobre a produção que seria apresentada na Mostra do Projeto de CCTT do CEJA com a temática dos Direitos Humanos. Temática em pauta para a elaboração dos projetos das disciplinas curriculares da EJA. Em Artes, havia proposto aos alunos estudos com um enfoque à condição feminina na contemporaneidade e às questões de identidade e autoria nos processos de criação, lutas de gênero, mercado de trabalho, liberdade e igualdade de direitos, mulheres artistas. Com o objetivo de criar condições para que os alunos(as) no seu fazer artístico pudessem expressar, reelaborar os conceitos trabalhados nas aulas, criando potentes discursos em prol da dignificação do ser humano e de uma cultura de paz em técnicas, linguagens e materialidades diversas. E o respaldo para proposições didáticas com um caráter transformador amparou-se na Pedagogia Histórico-Crítica, nos pressupostos propostos por Demerval Saviani, uma concepção baseada na prática educativa questionadora, crítica e comprometida com a transformação social, pontos basilares na organização das práticas pedagógicas da EJA. O artigo de opinião do DC relatava o ocorrido na boate Pulse ao mesmo tempo em que evidenciava algumas das aflições éticas, de desrespeito, negligência e ataques ferozes aos direitos humanos na contemporaneidade: barbáries reveladoras do extremo de atos de intolerância, preconceito, discriminação, imposição de verdades e discursos absolutos, carregados de ódio, discursos segregacionistas, fundamentalismo religioso e motivações perversas. Atos que expressam uma deformidade da condição humana e uma inversão dos valores universais que servem de fundamento à vida em sociedade mais justa, igualitária e com oportunidades a todas as pessoas. Questões que considerei pontuais de serem debatidas, expostas e estudadas com atenção e intenção em sala de aula, em um viés crítico, reflexivo e que permitisse estudos permeados pelo diálogo, reflexões e mudanças de pensamento e atitudes. Primou-se por uma participação ativa dos alunos(as) em todas etapas do processo ensino-aprendizagem, a fim de que a sala de aula pudesse configurar-se em um espaço para as possibilidades de produções artísticas e a interação nos estudos pudessem constituir-se em indicadores da apropriação dos conceitos trabalhados e o empoderamento dos envolvidos por uma tomada de consciência mais elaborada. Tanto nas produções dos alunos quanto no processo de criação e elaboração, as interações dos alunos expressavam a necessidade de aceitação e respeito absoluto à dignidade humana, o que enriqueceu o percurso em sala de aula. Identidade foi o território no qual se inseriram os estudos durante aquele semestre e nas propostas de produção artística, nas quais eram oferecidos materiais aparentemente comuns: tiras de tecidos, tintas, pincéis, jornais e tesouras. Além da leitura do editorial do DC intitulado ‘A intolerância mata’, uma sessão com um vídeo do Instituto Arte na Escola que apresentava a ancestral arte do bordado em uma abordagem de criação mais contemporânea. Instrumentos como tesouras, tintas, estênceis feitos com papéis recortados, pincéis, rolinhos e pedaços de esponja etc, aliadas aos percursos muito próprios de cada aluno(a), culminaram em uma assemblagem: uma produção coletiva em um tecido de algodão cru de quase quatro metros quadrados na qual os alunos puderam pintar, carimbar, gravar, bordar, tecer, expressar-se seus discursos no processo de criação artística. Buscou-se a organização de uma sequência didática para oportunizar uma formação intelectual de excelência, de empoderamento, ética e estética, cidadã, cultural e mais humana, o que constitui-se em um desafio de grandes proporções em nossos dias quando apoiada em bases que buscam o desenvolvimento de um senso crítico como proposto no bojo da Pedagogia Histórico-Crítica. E a abordagem de questões voltadas à temática da intolerância, dos seus violentos e destrutivos desdobramentos em sala de aula em uma prática pedagógica de caráter emancipatório, propiciou processos legitimamente formativos e autorais aos alunos da EJA. Tomando a questão central de como a educação poderia fortalecer a promoção dos direitos humanos na sociedade? E como implementar um ensino de Artes contextualizado com questões relevantes à (trans)formação humana? Quais conteúdos seriam pertinentes e como aliá-los em práticas pedagógicas que pudessem contribuir qualitativamente no desenvolvimento dos alunos do Ensino Médio da EJA? E no presente texto busquei alguns dos fundamentos e objetivos do modelo pedagógico centrado na concepção pedagógica proposta por Saviani, na qual a educação constitui-se elemento fundamental na mudança de paradigmas e de valores sociais, e a escola como espaço possível para o desenvolvimento da educação em direitos humanos. E a sala de aula enquanto espaço para o ensino-aprendizagem em Artes e algumas vivências que apresentaram possibilidades de desenvolvimento, experimentações criativas, carregadas da poética pessoal, da expressão dos alunos. Ainda destacaria a contribuição da pedagogia histórico-crítica por conta da contradição que marca a educação escolar na sociedade do capital, e o que pode acontecer em sala de aula quando o professor(a) assume um posicionamento na luta pela efetivação do papel de uma escola que age/funciona em defesa dos interesses da classe trabalhadora, realidade da quase totalidade dos alunos(as) da EJA em nosso país. Ao tomar no seu trabalho pedagógico cotidiano como referência a centralidade do saber objetivo, a fim de produzir, direta e intencionalmente, em cada aluno singular, o domínio dos conhecimentos plenamente desenvolvidos pela humanidade ao longo da história. Na busca de favorecer o desenvolvimento de pessoas menos preconceituosas e violentas, capazes de conviver de maneira mais harmoniosa, democrática, com mais aceitação da diversidade, de abertura ao diálogo, parte-se de uma prática pedagógica “que consiste na socialização do conhecimento em suas formas mais desenvolvidas.” (Saviani e Duarte, 2012, p.02) Como professor, insisto no sonho de uma escola promotora da paz e do respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais. Uma escola ‘do ensino’ e que ‘ensine’. Na premissa de Marx do trabalho enquanto categoria que define o ser social, na escola enquanto recorte da sociedade, realizamos o trabalho de professor(a) de artes. Produzimos nossos meios de subsistência e (re)existência, sejam estas de ordem material ou simbólicas. A arte é da ordem das delicadezas - parecendo pequena - mas, as questões estéticas, estésicas e éticas são (ou deveriam ser) priorizadas na formação humana… Então, seguimos cientes que as contradições, incertezas e conflitos são inerentes ao ‘existir humano’.