Bruna Andrade Irineu é Professora no Departamento de Serviço Social da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Política Social (PPGPS/ICHS/UFMT). Atualmente ela assume a presidência da Associação Brasileira de Estudos da Homocultura (ABEH) e coordena o CINABEH, Congresso Internacional de Diversidade Sexual, Étnico-Racial e de Gênero que este ano chega a sua décima edição. O evento congrega um número significativo de sujeitos, trabalhos acadêmico-científicos e experiências, trazendo grandes contribuições às pesquisas relacionadas aos temas "Diversidade Sexual, de Gênero e suas intersecsualidades".
Na entrevista que você confere a seguir, Bruna Irineu fala do percurso histórico da ABEH, além da sua relação com o CINABEH enquanto pesquisadora e hoje integrante da comissão organizadora. A professora também analisa a ação do CINABEH no atual contexto sócio-político do Brasil e conta um pouco sobre o que os participantes podem esperar da edição deste ano.
1. A Associação Brasileira de Estudos da Homocultura – ABEH é uma entidade sem fins lucrativos que objetiva fomentar e realizar intercâmbios e pesquisas sobre a diversidade sexual e de gênero. Ela reúne professores/as, alunos/as de graduação e pós-graduação, profissionais, pesquisadores/as, ativistas e demais interessados/as nas temáticas de gênero, sexualidade e raça/etnia. Como se deu o início da ABEH? Qual o contexto político-social da época e como isso interferiu e/ou refletiu na criação da associação?
A ABEH foi criada em 13 de junho de 2001, em Niterói, a partir de uma deliberação na Assembleia do “III Encontro de Pesquisadores Universitários - Literatura e Homoerotismo”, promovido pelo Núcleo de Estudos de Língua Portuguesa e Africana (NEPA), da Universidade Federal Fluminense (UFF), sob organização dos professores Mário Cesar Lugarinho e José Carlos Barcellos, os quais foram centrais para criação da ABEH.
É preciso situar as temporalidades concernentes ao percurso LGBTI+ no Brasil, destacando por exemplo o fato de que a primeira geração de pesquisadores fundadores da ABEH, herdara a experiência do próprio movimento LGBT, que se onguizou na década de 1990 para dar maior capilaridade as suas ações institucionais. A institucionalização da ABEH garantiu um entre-lugar de entidade da sociedade civil, mas ao mesmo tempo vinculada a universidade (braço do Estado), o que possibilitou ampla circulação da associação na cena nacional, mas não sem tensões habituais envolvendo movimentos sociais e universidade.
2. Estamos nos preparativos finais para a décima edição do Congresso Internacional de Diversidade Sexual, Étnico Racial e de Gênero. São 10 anos de ações voltadas à difusão de conteúdos sobre diversidades de gênero, etnico-racial e sexualidades. Fale um pouco da sua relação com o Congresso Internacional da ABEH (CINABEH), antes como pesquisadora e agora enquanto presidente da associação.
Como pesquisadora, eu participo dos Congressos da ABEH desde sua quarta edição, realizada em São Paulo, no ano de 2008. Eu estava iniciando o Mestrado em Sociologia na Universidade Federal de Goiás – UFG e foi fundamental participar do evento. Os congressos da ABEH assim como os Encontros Universitários de Diversidade Sexual (ENUDS) e os congressos do Fazendo Gênero foram centrais e basilares na minha formação inicial enquanto pesquisadora do campo dos estudos de diversidade sexual e de gênero. Estar presidindo a ABEH e coordenando a organização deste evento me traz a angústia da responsabilidade com a memória da associação e do campo, assim como também me traz ânimo por estarmos fazendo, nesse momento tão difícil da pandemia de COVID-19, um evento com essa dimensão e poder proporcionar espaço de troca e partilha entre pesquisadoras(es) dos mais variados níveis de informação.
3. O que os participantes podem esperar da edição deste ano do CINABEH?
O congresso terá convidadas nacionais e internacionais com significativa produção na área dos estudos de diversidade sexual e de gênero em sua intersecção com raça/etnia e outros marcadores sociais da diferença. Discutiremos em todos os espaços as coproduções de saberes e resistências da população LGBTQIA+, como uma dimensão da política da vida enquanto estratégia de resistência a política de morte que se coloca hoje a toda população, mas em especial as negras(os), pobres, mulheres e LGBTQIA+. Isso se expressara nas atividades culturais, artísticas, científicas, que vão ocorrer de março a maio, culminando com publicação em e-book, premiações, eleição de nova diretoria, entre outras coisas.
4. O contexto atual é de regressão de direitos dos segmentos socialmente discriminados no Brasil. Nessa conjuntura, como você avalia a importância e atuação do CINABEH na disseminação e produção de conhecimento sobre diversidade sexual e de gênero, a partir da intersecção com raça/etnia e classe social?
Realizar um evento com envergadura de mais de dez edições em um momento político de regressão de direitos, cortes orçamentários, ataque às universidades e as(aos) pesquisadoras(es) dos estudos de gênero, sexualidade, raça, etnia, classe social, assim como aos movimentos sociais do campo dos direitos humanos, é uma tarefa árdua que nos assumimos com muito compromisso. Sabemos da importância desse espaço de compartilhamento de ideias para fortalecer nossos pensamentos e também para arrefecer mentes e corações. O fato de estarmos distantes por conta do isolamento social e a dor que todes vem sentindo com a perda de pessoas queridas, coloca a urgência de fortalecemos nossas redes de solidariedade a partir de espaços como nosso evento.
5. A Associação Brasileira de Estudos da Homocultura – ABEH foi a primeira associação político-acadêmica e científica presidida por uma pesquisadora travesti, a Professora Doutora Luma Nogueira (gestão 2017-2018). E você é a primeira presidente lésbica em quase 20 anos de existência da ABEH.
Exatamente. A ABEH foi a primeira associação acadêmico-política a ser presidida por uma pesquisadora travesti, mas apesar dos pioneirismos não podemos esquecer que se precisou de quase 15 anos para uma associação composta por pesquisadoras do campo LGBTQIA+ elegesse uma travesti e dois anos depois uma pesquisadora lésbica. O que mostra a necessidade de atentarmos a diversidade de representatividade dos múltiplos sujeitos que constroem o campo de estudos de diversidade sexual e de gênero no Brasil. A ABEH é fruto de um tempo histórico e também vai respondendo a demandas emergentes de cada momento de sua história. História essa que completa 20 anos, coproduzindo saberes e resistências, mas principalmente gestando sentido as vidas.
A décima edição do Congresso Internacional de Diversidade Sexual, Étnico-Racial e de Gênero acontecerá de 26 de março a 15 de maio de 2021 e contará com conferências de convidados renomados a nível internacional, além de mesas-redondas, simpósios temáticos, mostra artística, oficinas e minicursos. O evento, que será dividido em três momentos com transmissão exclusivamente online, é uma ótima oportunidade para a realização de intercâmbios e pesquisas sobre diversidade sexual e de gênero interseccionalizadas com as questões raciais e de religiosidades. Para mais detalhes sobre a programação e inscrições, acesse o site do CINABEH: www.congressoabeh.com.br