A presente comunicação parte de manifestações artístico-culturais na cultura funk, como o Bonde das Bonecas (Rio de Janeiro), que chamarei provisoriamente de “bondes gays”, para pensar questões relacionadas a gênero e sexualidade de uma perspectiva interseccional, que as concebe como indissociáveis das questões de raça e classe, ressaltando a constituição das referidas categorias por diferentes campos disciplinários do saber ocidental como movimentos constitutivos da modernidade colonial. Tais manifestações, além de contestarem e perturbarem as categorizações heteronormativas de masculino e feminino enquanto termos descontínuos, também desafiam certa homogeneização da produção de subjetividades homossexuais, direcionada a facilitar a assimilação pelo discurso e instituições dominantes, mas que seguem fomentando a marginalização de outras subjetividades possíveis, tornando evidente o transbordamento da própria “identidade homossexual” (fazendo pensar o que de fato sobra, o que escapa à fixidez dos estereótipos) e a importância de se pensar interseccionalmente. Os bondes gays dialogam com uma certa ambivalência do “gay afeminado” em nossa cultura (uma figura predominante – estereotipada – na mídia tradicional como forma de humor, ao mesmo tempo em que é o alvo de maior preconceito, inclusive na própria “comunidade”), mas a partir de um pertencimento de classe e raça que leva à marginalização desses processos de subjetivação e à exclusão, pela agenda do movimento LGBT, de políticas ou reivindicações que enfatizem questões de classe e raça em uma interseção com as questões de gênero, sexo e sexualidade. Mantem-se, desse modo, uma hegemonia atrelada aos interesses de uma parcela elitizada do movimento em detrimento de uma perspectiva interseccional que privilegie a ação estratégica em função de um “entrecruzamento de opressões” para usar o termo de bell hooks.