Introdução: As práticas corporais estão institucionalizadas em programas e serviços do SUS através da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares e Política Nacional de Promoção da Saúde, potencializando as ações de prevenção de doenças e promoção da saúde. De caráter coletivo, essas práticas cumprem um propósito terapêutico e também propiciam encontro e interação entre os praticantes. As práticas corporais desenvolvidas na atenção primária reorientam o modelo de cuidado da racionalidade da medicina ocidental contemporânea criando um novo lugar de produção de saúde constituído por uma pluralidade de significados, valores e sentidos.
Objetivos: Discutir o Modelo de Cuidado criado pelas práticas integrativas corporais nos serviços da Atenção Primária em Saúde no Sistema Único de Saúde.
Metodologia: A pesquisa foi realizada com metodologia qualitativa, utilizando as técnicas da observação participante e de entrevistas semi-estruturadas para coleta de dados em dois grupos de Movimento Vital Expressivo e de Lian Gong de dois Centros de Saúde em Campinas/SP. Frequentei semanalmente os grupos durante cinco meses e realizei entrevistas com profissionais de saúde (coordenadores dos serviços e instrutores das práticas investigadas) e usuários. Também acompanhei os grupos em atividades extras, como passeios e reuniões em datas comemorativas. Os conteúdos dos dados empíricos foram analisados tematicamente e discutidos a partir de referenciais teóricos das Ciências Sociais.
Resultados e Discussão:A racionalidade da medicina ocidental contemporânea é organizada pela classificação binária, orientada pela lógica do normal e patológico, e as práticas corporais incorporadas neste contexto reorientam o modelo de cuidado ocidental, criando um novo lugar de produção de saúde, fundamentado na hibridação e constituído pela negociação da pluralidade de significados, valores e sentidos. No entanto, a participação nos grupos de práticas corporais contribui para um processo de produção de saúde, cuidado e construção de sociabilidade, com laços de amizade entre praticantes e instrutores. Essas relações são desinstitucionalizadas, proporcionam acolhimento, estimulam autonomia dos praticantes e reorientam o modelo de cuidado biomédico da APS, criando um novo lugar de produção de saúde, fundamentado na ambivalência e orientado pela lógica de interculturalidade criada por uma pluralidade de significados e sentidos, ente wellness-fitness, convivialidade-utilitarismo, amorosidade-medicalização e sociabilidade-biossocibilidade.
Considerações Finais: O modelo de cuidado de interculturalidade produzido pelas práticas corporais é um grande desafio para o campo da saúde, pois abrange tanto ações pautadas no disciplinamento e na prevenção e controle de doenças, típicos de uma prática biomédica, como também nas ações voltadas para a agência do indivíduo e para a sua saúde, promovendo um cuidado coletivo, emancipador, com olhar singular, aberto para a diversidade e que confere aos praticantes a autonomia, o convívio e novas amizades. Este modelo é uma inovação de tecnologia de cuidado produzido na APS no SUS, já que constitui práticas com grande potência na atenção básica, uma vez que se orientam pelo princípio da convivialidade e para a produção de encontros e cuidado emancipador. O desafio está em fundar-se na hibridização sem assimilação de uma parte à outra, para avançar além das certezas artificiais dos protocolos, evidências, prescrições e reificações produzidos pela medicina ocidental contemporânea.