Desde o nascimento, somos ofertados ao mundo e forjados na dor de um desamparo primeiro, que origina a mais fundamental de todas as sensações, a saber, o desprazer que o fato de existir impõe. A manutenção da vida, no entanto, tende a (re)significar e (re)elaborar essa dor, ainda que não plenamente, com a nossa entrada no campo da linguagem (da cultura), algo que só é possível com a mediação do Outro, terreno dos significantes, de quem exclusivamente dependemos para sobreviver. Este ser imprescindível resguarda as significações que envolvem o universo, de forma que, por sua atuação, as necessidades básicas são supridas e o desejo se inscreve no futuro sujeito. Contudo, a relação que se institui pode vir a ser mortífera para o destinatário, caso uma instância maior não se coloque entre eles, estabelecendo o corte necessário. Referimo-nos, especificamente, a função do pai: sua intervenção possibilita a nossa entrada no Édipo e posterior assimilação da Lei que rege as sociedades humanas. E quando, por alguma razão, a figura paterna não comparece, o resultado é um processo de subjetivação precário, onde as pilastras de uma suposta normalidade estariam ruídas. Eis o caso das irmãs Papin, retratado no filme Entre elas, produzido ano 1994. Na narrativa em foco, duas empregadas domésticas confessam ter assassinado suas patroas e mutilado seus corpos, um crime sem motivo aparente que chocou a França em 1933. Nossa pesquisa, numa conexão entre a psicanálise de base lacaniana e a cinematografia, pretende investigar as razões que poderiam explicar não só o crime como também a brutalidade do ato criminoso.