O pronome clítico SE, tradicionalmente identificado nas gramáticas tradicionais como pronome reflexivo, desenvolveu uma trajetória na história da Língua Portuguesa do Brasil, na qual adquiriu novos usos e funções que se distanciam da noção inicial de reflexividade. Servindo de marcador das vozes reflexiva e média, é considerado, portanto, integrante da rede construcional da voz verbal, influenciada pela transitividade e pela ordem dos constituintes na oração. Nessa perspectiva, analisamos dados extraídos dos corpora orais PPVC (Corpus do Português Popular de Vitória da Conquista) e PCVC (Corpus do Português Culto de Vitória da Conquista), no intuito de descrever o (des)uso do clítico SE em estruturas tradicionalmente classificadas como reflexivas no vernáculo de Vitória da Conquista – BA, tomando como principal parâmetro de análise a organização da transitividade. Concebida como uma construção esquemática e abstrata, a estrutura com SE, dito reflexivo, na fala conquistense é visível na concorrência entre o uso prototípico, definido pela presença do clítico, e o uso inovador, elaborado com o apagamento da forma. Em nosso estudo, cuja base teórica assenta-se na Linguística Funcional Centrada no Uso, mais especificamente, na Gramática de Construções (BYBEE, 2010; 2015; GOLDBERG, 1995; 2006; LANGACKER, 2013; TRAUGOTT, 2008; TRAUGOTT e TROUSDALE, 2013), partimos do pressuposto de que a transitividade é uma dimensão linguístico-cognitiva à qual subjaz a configuração oracional e, por isso, exerce forte influência sobre a codificação da construção e sua relação com a expressão da voz verbal. Os nossos resultados indicam uma transformação na rede construcional da voz, ampliada por pressões semântico-pragmáticas resultantes de alterações nos papéis semânticos do agente e do paciente. Tais evidências, por configurarem uma característica do português contemporâneo, merecem destaque no espaço escolar, para que se possa refletir sobre e compreender melhor o português falado no Brasil.