BOSCARIOL, Marina Contarini. A escrita de si como técnica do constituir-se docente. Anais VII ENALIC... Campina Grande: Realize Editora, 2018. Disponível em: <https://editorarealize.com.br/artigo/visualizar/51235>. Acesso em: 25/12/2024 11:30
Resumo Inspirado pela cartografia como operador metodológico de pesquisa, como proposto por Rolnik (2016), este trabalho propõe pensar os usos deste operador no estudo dos processos de subjetivação da docência ao acompanhar o ingresso de uma professora na rede pública de ensino. O cartografar coloca o observador/pesquisador no lugar da experiência, ao passo que o contexto da pesquisa é vivido e transformado pelo mesmo. A professora, objeto de estudo desta pesquisa, é, também, autora, sendo o material empírico, seus diários de bordo. Demarcamos, com isso, o procedimento adotado neste trabalho, a escrita de si de Michel Foucault. Estes escritos nos traz elementos para pensar como os discursos sobre o ser professor atravessam a docente e como se dão os processos de subjetivação nesta experiência singular. Larrosa (1995) compreende a experiência de si como um processo histórico que considera a verdade sobre o sujeito, as práticas de controle e sua subjetividade. A atuação da docente iniciou-se há oito meses. Durante esse período, algumas relações atravessam sua constituição, não em termos de prática pedagógica, mas enquanto um sujeito da escola. Relações que, até então consideramos ser: relação aluno/a-professora-aluno/a; relação professora-instituição escolar; relação professora-pares - considerado os pares como as outras professoras e a equipe da gestão. Perpassando isso, temos a escola, uma instituição moderna a qual obedece à lógica totalizadora de representação do mundo. Dentro desse ambiente questões como: o que é ensinar, o que é aprender, o que é ser aluno, o que é ser professor, o que é corpo, o que é EF, emergem a partir da assunção de uma verdade. Como atuar nesse cenário, potencializando outras formas de ser, escancarando e produzindo outras visões de mundo? Esta não é a pergunta a ser respondida neste texto, mas importante para localizarmos os elementos que constituem este sujeito professora. Tratamos, o perceber-se sujeito professora no jogo de forças exercido no processo de subjetivação que, por um lado indica determinadas condições de submissão, agindo sobre os mesmos e por outro indica uma ação deles sobre eles mesmos a partir do movimento de perceber-se para cuidar-se (FOUCAULT, 2014a). A pergunta em questão é: como a docente se percebe assujeitada pelo discurso moderno do ser professor? Com Foucault (2014b), pensamos a escrita como possibilidade de perceber-se e constituir-se, tomando-a como uma prática de mostrar-se, expor-se, construir a experiência de si e perceber os movimentos de assujeitamento. Por esse motivo, adotamos neste trabalho a escrita de si como um procedimento da cartografia. Escócia e Tedesco (2015) discutem a construção de determinada realidade a partir de dois planos, o plano das formas, que é o plano instituído, referente às figuras já estabilizadas; e o plano das forças, que atravessam o plano das formas, assegurando as multiplicidades e construindo a realidade. A cartografia, enquanto operador metodológico de pesquisa, investiga as formas por meio do acompanhamento dos processos suscitados pelo plano das forças. Cabe ao cartógrafo(a) conhecer essa realidade a partir do processo de constante produção da mesma, atuando na transformação dessa realidade estudada. Apoiados em Foucault (2014b), ressaltamos que a leitura, o escrever-se e o ler-se são parte de um movimento de construir-se e transformar-se. O sujeito que transcreve aquilo que lê como forma de apropriação do lido faz disso sua verdade: "a escrita transforma a coisa vista ou ouvida em força e em sangue, ela se torna no próprio escritor um princípio de ação racional" FOUCAULT, 2014b, p.149). Pensamos a escrita de si, então, como prática de transformação, ao passo que a mesma escancara as forças que constituem a professora enquanto sujeito da docência. Estar assujeitado aos discursos sobre o ser professor torna-nos sujeitos dentro do que é a realidade escolar, mas o que nos possibilita agir sobre nós mesmos é a assunção de que o poder que nos assujeita é ilegítimo (GALLO, 2017). O que queremos dizer é que ser professora na escola submete o objeto desse texto a uma série de elementos, mas, ao mesmo tempo, permite produzir outras formas de poder, que atuem sobre sua construção, ao passo em que se percebe a ilegitimidade dos poderes que a constituem. Podemos pensar que esse poder que nos individualiza e que percebemos por meio das técnicas de si, no caso aqui a escrita, permite que tomemos decisões sobre nós mesmos. Sendo assim, tomamos a escrita de si como uma prática de cuidado de si e cuidado da docência. Foucault (2014c) propõe a ética do cuidar de si ao colocar que ao compreendermos os poderes que nos constituem somos capazes de controla-los e dominá-los, praticando assim a liberdade. Chamamos a atenção da escrita de si como uma técnica do cuidado de si. Ao produzir um diário, no qual a professora narra as sensações, práticas e situações que se dão na relação com os outros da escola, ela se reconhece parte dessas relações. Este exercício de escrita docente se dá há oito meses, até então ele tem escancarado formas de poder as quais se tenta renunciar e outras formas de poder as quais assume-se. A partir do perceber-se, ao reler as anotações, ela renuncia poderes, como por exemplo, os quais entendem o aluno dentro de uma visão universal, além dos discursos e marcas que afirmam as condições de classe, que entendem a Educação Física como uma prática de controle dos corpos; e que entendem as professoras também dentro de uma única forma de atuação. Por fim, pensemos as práticas de liberdade a partir do cuidado de si e da docência por meio do ato de escrever-se, entendendo-o como forma de construção do corpo daquela que escreve (FOUCAULT, 2014b). Palavras-chave: Educação Física Escolar, Escrita de si, Prática de liberdade. Referências FOUCAULT, M. Sobre a história da sexualidade. In: Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1993. ______. Do governo dos vivos. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2014a. ______ A Escrita de si. In: Ditos & Escritos V: Ética, Sexualidade, Política. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2014b. ______ A ética do cuidado de si como prática de liberdade. In: Ditos & Escritos V: Ética, Sexualidade, Política. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2014c. GALLO, S. De laanarqueología como operador metodológico. In: CORTÉS, O. P., BERNAL, O. O. E (org.). Formas y expresiones metodológicas em el último Foucault. Tunja: Editorial UPTC, 2017. LARROSA, J. Tecnologias do eu e educação. In: SILVA, T.T. (Org.). O sujeito da Educação: estudos foucaultianos. Petrópolis: Vozes, 1995. ROLNIK, Suely. Cartografia Sentimental: transformações contemporâneas do desejo. 2. ed. Porto Alegre: Sulina, 2016.