Este desafio de dedicarmos espaço e tempo para refletir, analisar e partilhar experiências de iniciação à pesquisa feitas por e com os estudantes universitários, como acontece, neste caso, com o JOINBR (Encontro Internacional de JOvens INvestigadores – Edição Brasil) nasceu no ano de 2008, em Pau dos Ferros, uma pequena cidade sertaneja, no Estado do Rio Grande do Norte, Brasil, da mão da respeitada profissional universitária e colega, Lúcia Sampaio. Embora a gestação desta ideia tenha começado no início da década de 1990 graças à vitalidade e determinação do professor Valdir Heitor Barzotto, atualmente Professor Livre Docente da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. Este esteve na origem de uma iniciativa semelhante dedicada aos alunos da área de Línguas, intitulado FALE (Fórum Académico de Letras).
Na altura, a colega Lúcia Sampaio, com um brilho nos olhos acarinhando esta iniciativa, convidou-me, e também a outros colegas do Campus de Angra do Heroísmo da Universidade dos Açores, a participar na primeira edição do FIPED (Fórum Internacional de Pedagogia) que teve lugar no Campus de Paus dos Ferros, da Universidade do Rio Grande do Norte com o objetivo de refletir, problematizar, partilhar experiências de pesquisa desenvolvidas pelos estudantes universitários da área da Pedagogia. Na altura, também fiquei surpreendido com esta estratégia de aprender, de construir conhecimento através do envolvimento dos estudantes, como ainda hoje vejo acontecer com outros colegas universitários, também hesitantes, na possibilidade de mobilizar no âmbito universitário formas de aprender através da pesquisa, quando, hoje percebo, ser óbvio. O convite da colega Lúcia trazia “água no bico”: a de replicar esta iniciativa no Campus onde eu exercia funções, na altura. Assim começámos, desde Portugal, um relacionamento muito rico e dinâmico, com muito afeto pelo meio (porque não sabemos trabalhar de outra maneira), com colegas do Brasil, que se foi alargando a colegas do México, Costa Rica, Honduras, Cabo Verde. Organizámos várias edições do FIPED Portugal e participámos, contribuindo para a replicação desta iniciativa, em vários outros países. No caso português, a realidade nos empurrou a diversificar o público envolvido, já que tínhamos e temos escasso número de estudantes da área da pedagogia. Somos uma universidade pequena, em tamanho. De certeza que ficámos a ganhar com esta diversificação e heterogeneidade.
Em 2015, mudei de Campus, o que em linguagem do arquipélago significa mudar de Ilha. Na altura, aproveitei e adequei o nome do evento a uma realidade mais alargada e heterogénea quanto a áreas de formação, como referi. Assim nasceu o JOIN, Encontro Internacional de JOvens INvestigadores, em 2016, no Campus de Ponta Delgada, na Universidade dos Açores. No âmbito deste relacionamento profissional, de amizade, de
preocupações comuns, de cumplicidades, de trabalho conjunto, que continuo a manter com vários colegas do Brasil, entre eles, a Tânia Serra Azul e Roberto Kennedy Gomes Franco, colegas da UECE (Universidade Estadual do Ceará) e da UNILAB (Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira), respetivamente, surpreenderam-me com o desafio de levar esta iniciativa, agora como JOIN, de volta ao Brasil, ou seja, voltar onde, de alguma maneira, nasceu. Assim, com o jeito muito brasileiro de trabalho intenso, e digo isto sem nenhuma migalha de ironia, porque é o que sempre senti nos trabalhos conjuntos com colegas deste Brasil que conheço, como eles me habituaram, a preparar uma edição brasileira do JOIN. Deitaram
mãos à obra para construir um momento e espaço de reflexão, problematização e partilha desta dimensão da iniciação à pesquisa por estudantes universitários, que se concretizou no JOINBR, com uma dimensão “à brasileira”, percebido com jubiloso espanto pelos olhos de um, quase, ilhéu, habituado a uma dimensão insular. Os números
desde evento, próprios desta realidade imensa e dinâmica que é o Brasil, soam sempre astronómicos.
O JOINBR, que decorreu nos dias 12, 13 e 14 de outubro de 2017, em Fortaleza CE, com o lema “Investigar para transformar”, constituiu-se como espaço privilegiado de envolvimento e participação de estudantes universitários de várias áreas científicas e dos vários níveis académicos. Preciso vincar o significado de envolvimento e participação por parte dos jovens participantes. Sublinhando a intensa troca de comentários, perguntas, levantamento de dúvidas nas sessões; destacando o entusiasmo patente em comunicações de diversas áreas científicas com a marca dos que se iniciam na aventura de investigar; salientando a efervescência evidente de dinâmicas de trabalho desde as primeiras horas até ao final da jornada.
No JOINBR houve espaço para o lançamento de dez livros, 35 minicursos, 11 mostras de audiovisual, 4 mostras cênicas e 18 sessões temáticas. As comunicações apresentadas ascenderam 545. A apresentação de posters atingiu as 371. Quantidades, para a realidade brasileira, possivelmente, normal. Para mim… exuberantes. O número de participantes chegou a 2600, vindos de 27 estados, predominando, obviamente, o Ceará. A participação de jovens estudantes de outros estados também é de sublinhar tendo em conta a crise, provocada, mas crise enfim, com que se tem vindo a submeter este povo.
Tenho que admitir que o Brasil continua a me surpreender, e bem. Nutro por este país, pela sua gente, pela sua maneira de trabalhar, de viver, de se relacionar, um carinho muito especial que sustenta o meu relacionamento profissional e também pessoal. É um país onde tudo é imenso e singular, quase até ao exagero, se não fosse brasileiro.
Tenho uma especial admiração pela criatividade na língua, nas ideias, nas propostas, nas leituras da realidade que fazem, na maneira de intervir, de se organizarem, pela maneira de ser brasileiro. Talvez por isso tenho sentido muito fundo, e muito próximo, a situação de instabilidade, de injustiça no âmbito político e social, que os empurraram a viver nos últimos tempos.
Desde a conferência de abertura, da responsabilidade do Professor Doutor António Sampaio da Nóvoa, intitulada “Investigar é transformar” que visava refletir e problematizar o papel da investigação e do investigador na sua dimensão de intervenção social, no seu papel de intervenção na sociedade, começando já como jovens investigadores passando pelos diversos momentos de reflexão e debate através de outras conferências, mesas redondas, palestras, grupos de trabalho (GT), etc. espelharam as preocupações vividas e evidenciaram a análise da situação que se vive no Brasil neste momento.
A conferência final de responsabilidade do Professor Doutor José Carlos de Paiva e Silva da Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto sublinhava “A urgência dos pesquisadores deslocarem-se para fora de si...” chamando também à intervenção no seu contexto, na sociedade, no mundo visando conduzir o conhecimento, a pesquisa
com o intuito de intervir para transformar. Muitas das intervenções evidenciaram a necessidade de participação, de envolvimento, de implicação, no contexto onde exercemos a nossa respetivas profissões, e superando o “mero” sentido crítico como objetivo de educação, sentido crítico necessário mas não suficiente.
É preciso intervir, começando no nosso contexto, porque outro mundo é possível, a partir do “nosso mundo”. Nessa linha de intervenção encontrámos três mesas redondas
e duas palestras que puseram o dedo nas diversas chagas que nos afetam a todos, especialmente, a minorias significativas nas nossas sociedades contemporâneas, como seja, o trabalho e a juventude, a precarização da educação, a questão de género, a necessidade de inclusão na escola que temos, a mulher na investigação científica, entre outros temas candentes.
A pesquisa científica como estratégia de intervenção no
Mundo
Qual é nossa aposta na formação das jovens gerações, até agora, elites privilegiadas com acesso ao ensino superior? Apenas restringimos o nosso papel de docentes universitários à mera transmissão do saber já elaborado ou mesmo à reprodução daqueles saberes em que participamos na sua produção? Está no âmbito das nossas utopias a (re)construção de um outro mundo melhor, mais preocupado pelos outros, mais equitativo, mais solidário, mais inteligentemente humano? Grandes são os desafios que temos pela frente. Responsabilidades acrescidas temos como docentes ou estudantes universitários, usufruindo da possibilidade de acesso e de produção do conhecimento. O intuito principal de qualquer processo de pesquisa é construir conhecimento, o que significa reestruturarmos o nosso mundo, a nossa realidade, tornarmo-nos mais donos do nosso meio. Por isso, o domínio do conhecimento, e a sua construção, são instrumentos poderosos de transformação deste mundo, do nosso contexto, e dos outros.
Essa transformação, através do conhecimento, dos resultados de pesquisa, não é inocente nem neutra. Está carregado de valor, de intenções, de objetivos, de utopias. Daí a importância do conhecer e, com esse instrumento, o conhecimento, intervir com sentido, com objetivos, com uma direção. Essa realidade é conhecida de muitos que decidem e definem fatias de investimentos para determinadas áreas privilegiadas, entanto que para outras, há menos. Por isso, nem o conhecimento nem a sua produção, através da pesquisa, são neutros. Por isso a educação não é neutra. Daí a importância de conhecer, escrutinar e decidir os objetivos, as metas, as utopias que nos propõem ou nos impõem nas ciências, na educação, na política. Sublinho aqui a importância de implicar os jovens estudantes nos segredos dos mecanismos de (re)construção do mundo. É por isso, que iniciativas deste tipo, como o JOIN, são importantes, não simplesmente como um evento, mas como um momento de um processo mais duradouro, mais consistente, com consequências, com o intuito de dar os instrumentos às novas gerações para construir um mundo melhor. Não apenas ao nível da economia, não apenas para alguns, mas à medida das pessoas, com uma dimensão de solidariedade, de respeito pelo outro, de distribuição equitativa deste mundo entre todos.