O que pode um projeto de extensão? É com esse questionamentoque começamos a apresentação do E-book celebrativo dos 5 anos do Projeto de Extensão universitária “Circularidades na escola”. Foi também com esse questionamento que iniciamos nossas discussões há 5 anos, quando despretensiosamente nos reunimos pela primeira vez. Éramos um grupo de docentes recém chegados à Universidade, tínhamos muitas ideias que já eram conversadas desde os tempos da graduação, quando nos encontramos pela primeira vez, mas que somente agora, com a chancela institucional, poderíamos tirar do papel, “partir para ação”, como gostávamos de frisar. Até hoje não temos a resposta para aquele primeiro debate e talvez seja essa a nossa maior riqueza: não sabermos o que podemos!
O tempo presente, ainda marcado pela pandemia causada pela COVID-19, gerou em nós mudanças profundas nas formas de ser/fazer/ pensar e, obviamente, nossas práticas extensionistas não sairiam ilesas. Contudo, continuamos dia a dia tecendo diálogos em um projeto de extensão que passou então a circular também de forma digital. Fincamos os pés na (in)certeza de nossa incompletude. Não tínhamos ideia que em breve um novo tempo chegaria e que seríamos expostos a novos desafios e também novas perguntas: Qual o papel da extensão em tempos pandêmicos e pós-pandêmicos? Como criar afetos em mediações no ciberespaço? Como a docência on-line conviveria com a docência no chão da escola?
O nome “CIRCULARIDADES” foi escolhido através de inspirações trazidas por Azoilda Trindade (2005) que apresenta esse valor como um elemento capaz de criar uma atmosfera de conexão entre as possibilidades. A CIRCULARIDADE pode ser entendida como uma força que promove o movimento e renova as energias vitais. Na circularidade não há hierarquia das diferenças, mas sim movimentos que se ressignificam. Diante das possibilidades, nossas práticas passaram a ser inspiradas e tecidas em diálogo com as ideias nos valores civilizatórios afro-brasileiros abarcando idas e vindas, horizontalidade, dinamismo e movimento. Ano após ano ainda estamos aprendendo a viver com as concepções propostas por Azoilda Trindade (2005): circularidade, oralidade, axé, ludicidade, memória, corporeidade, cooperativismo e ancestralidade.
Vinculado inicialmente ao Instituto de Aplicação Fernando Rodrigues da Silveira da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (CAp-UERJ), o “Circularidades”, como passamos a chamar de forma abreviada, também passou a ter vínculo institucional com o Colégio Pedro II (CPII) e às Escolas da Rede Municipal da Cidade do Rio de Janeiro (SME-Rio) assumindo seu caráter interinstitucional. Em comum, somos um grupo formado por docentes, todos/todas atuantes na Educação Básica que vem assumindo a relação entre ensino-pesquisa como indissociável. Assumimos o pressuposto da pesquisa que alimenta o ensino e o ensino que retroalimenta a pesquisa em um movimento circular.
Enquanto projeto coletivo, entendemos currículo/didática como produção cultural e, por isso, buscamos evidenciar lutas sociais e políticas pela reafirmação das diferenças na sociedade que ocorrem dentro do campo pedagógico. Atuamos através de propostas que possibilitem a produção discursiva dessas demandas, entre elas, criação de oficinas, apresentação de estudos, leituras coletivas, ciclos de debates e rodas de conversa. Apostando em um desenvolvimento colaborativo, o intuito é produzir conhecimentos acerca dos processos de ensino-aprendizagem-ensino, pautando-os em uma significação cultural, entendendo a cultura em constante desenvolvimento e apostando na formação humana.
Desde que iniciamos, acreditamos no projeto, e em suas ações, como importante possibilidade de diálogo e debate sobre temas caros e atuais da educação brasileira. As questões referentes às diferenças culturais suscitam um debate que tem interessado diferentes setores da sociedade, em diferentes momentos políticos, sob diferentes olhares e perspectivas teórico-políticas. Dessa forma, a relação sociedade e a escola têm sido pauta instigante e necessária nas articulações entre políticas de igualdade com políticas de identidades pensando à formação docente e discente (CANDAU, 2014).
Metodologicamente operamos com a ideia de conversa, baseados em Skliar (2018, p. 12) entendo que “uma conversa é, essencialmente, um gesto pedagógico, à medida que educar pode ser compreendido como o modo de conversar [...] com o mundo e com a vida...”. Assim, estamos apostando nas rodas de conversa, presencialmente ou virtualmente, como potência do trabalho pedagógico presente na relação escola-universidade.
“O que pode um projeto de extensão?”, repetimos a pergunta que ecoa nessa apresentação, mas sem resposta. Ainda não sabemos e nem pretendemos saber, mas já indicamos, depois desses 5 anos, alguns apontamentos, ou talvez pistas de caminhos possíveis que se entrecruzam gerando novos rumos ao projeto, a saber, i) narrar fazeres-saberes para adiar o fim do mundo historicizando nossas práticas; ii) esperançar no sentido de lutar e insurgir pautando novas agenda de trabalho; iii) se perceber na encruzilhada para gerar novos outros caminhos.
O primeiro deles, inspirados/as em Krenak (2019), pensamos e reafirmamos que um projeto de extensão pode narrar coletivamente uma forma de adiar, um pouco, o fim do mundo trazendo esperança em tempos sombrios. A nossa vida cotidiana nos traz desafios inerentes ao trabalho com seres humanos, talvez a experiência com a pandemia tenha sido o maior exemplo disso. Assim, narrar o que fazemos valorizando as presenças, os afetos, os encontros, contando uma nova história e reafirmando a nossa singularidade, ancestralidade e nossas raízes, reivindicar assim a nossa subjetividade e celebrando as diferenças, tem sido um pressuposto do grupo informando que nossos fazeres-saberes são necessários para o campo da educação.
Outro caminho, com inspiração em Paulo Freire, está pautado na ideia de esperançar enquanto verbo (FREIRE, 1992). Nossa esperança é ação que com muita luta e trabalho vem possibilitando mudanças e criando insurgências com/para a escola. Uma luta comprometida, sem pretensão de neutralidade, entendendo a importância e necessi dade das práticas de ensino, pesquisa e extensão ancoradas na justiça e transformação social. Sabemos que estamos insurgindo em um processo de disputa conceitual em que escola, ensino, aprendizagem, currículo, didática etc são colocados em xeque para que haja (trans)formação.
Por fim, o terceiro caminho é assumir a ideia de encruzilhadas, a partir do nosso diálogo com Carla Akotirene (2018), para pensarmos que essas encruzilhadas nos levem a novos e desconhecidos caminhos, entendendo a encruzilhada como o lugar multideterminado dos trânsitos. Encruzilhadas teóricas e metodológicas pautadas nas incertezas daquilo que não sabemos/conhecemos nos fazem caminhar de forma atenta e responsável com um projeto de educação plural. E é essa encruzilhada que nos alimenta para que possamos criar, coletivamente, novos sentidos para o que realizamos/narramos e vivemos. É também nessa encruzilhada que precisamos para gerar novos movimentos.
Finalizamos com a poesia de Manoel de Barros (1998) que nos coloca em contato com nossa incompletude: sim, não sabemos o que pode um projeto de extensão! E também assumimos esse lugar de sujeitos e sujeitas que não aceitam mais que digam o que somos. Acreditamos, assim como Trindade (2005), no movimento e nas ações do projeto enquanto possibilidade com outras conexões de saberes, de fazeres, de olhares, de sentidos e, sobretudo, de afetos.
A maior riqueza do homem
é a sua incompletude.
Nesse ponto sou abastado.
Palavras que me aceitam como sou - eu não aceito.
Não aguento ser apenas um sujeito que abre portas,
que puxa válvulas, que olha o relógio,
que compra pão às 6 horas da tarde,
que vai lá fora, que aponta lápis,
que vê a uva etc. etc.
Perdoai
Mas eu preciso ser Outros.
Eu penso em renovar o homem usando borboletas.
REFERÊNCIAS
AKOTIRENE, C.
O que é Interseccionalidade? Belo Horizonte: Letramento; Justificando, 2018.
BARROS, M.
Retrato Do Artista Quando Coisa. Rio de Janeiro: Editora Record, 1998.
CANDAU, Vera Maria Ferrão . Ser professor/a hoje: novos confrontos entre saberes, culturas e práticas.
Educação (PUCRS. Impresso), v. 37, p. 33-41, 2014.
FREIRE, P.
Pedagogia da esperança. São Paulo: Editora Paz e Terra, 1992.
KRENAK, A.
Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.
SKLIAR, C. Elogio à conversa (em forma de convite à leitura). In: Thiago Ribeiro, Rafael de Souza, Carmen Sanches Sampaio (Orgs).
Conversa como metodologia de pesquisa: por que não? Rio de Janeiro: Ayvu, p. 11-14, 2018.
TRINDADE, A. L. da. Valores civilizatórios afro-brasileiros na Educação Infantil. In: TRINDADE, Azoilda Loretto da (org.).
Africanidades brasileiras e educação: salto para o futuro. Rio de Janeiro: ACERP; Brasília, DF: TV ESCOLA, 2013. p. 131-138.