"Memórias, lutas e insurgências nas educações"
A experiência é [...] algo que [nos] acontece e que às vezes treme, ou vibra, algo que nos faz pensar, algo que nos faz sofrer ou gozar, algo que luta pela expressão, e que às vezes, algumas vezes, quando cai em mãos de alguém capaz de dar forma a esse tremor, então, somente então, se converte em canto. E esse canto atravessa o tempo e o espaço. E ressoa em outras experiências e em outros tremores e em outros cantos (LARROSA, 2014, p. 10).
Este livro arquiva as experimentações de pensamento mobilizadas no VIII Seminário Corpo, Gênero e Sexualidade, IV Seminário Internacional Corpo, Gênero e Sexualidade e IV Luso-Brasileiro Educação em Sexualidade, Género, Saúde e Sustentabilidade, realizado no período de 14 a 17 de setembro de 2022. O Seminário Corpo, Gênero e Sexualidade tem sua primeira edição em 2003 e, a partir dos efeitos construídos pelas edições seguintes, tornou-se, em 2011, um evento internacional. As edições do Seminário Corpo, Gênero e Sexualidade, assim como o Grupo de Pesquisa Sexualidade e Escola – GESE que lhe dá origem, vem se constituindo como espaço-tempo de produção de CONFETOS “um espaço híbrido de conceitos e afetos” (SATO et al., 2004, p. 44), desafiando os padrões hegemônicos da ciência moderna ancorados em um modelo de racionalidade afastada da afetividade, da subjetividade
Nesta edição dos eventos foram construídas parcerias e conexões entre/com pesquisadores/as, professores/as, ativistas, estudantes de pós-graduação e de Iniciação Científica de dez universidades públicas brasileiras e uma universidade portuguesa: Universidade Federal do Rio Grande (FURG); Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS); Universidade Federal de Lavras (UFLA); Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF); Universidade Federal de Uberlândia (UFU); Universidade Federal do Pará (UFPA); Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS); Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB); Universidade Estadual de Maringá (UEM); Universidade Luterana do Brasil (ULBRA) e pela Universidade do Minho (UMINHO, Portugal). A FURG, a UFU, a UMinho e a UFPA foram as instituições que assumiram a coordenação geral dos eventos.
As conexões daqui e d’além mar possibilitaram a realização da 8ª Edição do Seminário em 2022, com o tema “Memórias, lutas e insurgências nas educações”. Nessa edição, experimentamos o formato virtual, de modo que a troca de experiências entre pesquisadores/as, professores/as, ativistas de várias regiões do país e de países como Portugal, México, Espanha, entre outros, marcou o trabalho da Coordenação ampliada do evento, dos Eixos Temáticos, dos Simpósios Temáticos.
A comemoração dos 20 anos do GESE e a realização dos eventos ocorreram em um período marcado pelo recrudescimento do “neoliberalismo neoconservador”, expressão cunhada por Dardot e Laval (2016), pelas mudanças climáticas resultantes dos ataques e degradação da vida no planeta. Estas marcas acentuam as condições de vulnerabilidades extrema em que vivem muitas parcelas da população mundial.
De um lado, a ascensão da extrema-direita, com suas pautas ultra moralizantes, ancora-se na política de ódio, atravessa discursividades de políticos/as, pais/mães, líderes religiosos, instituições. No Brasil, esse fenômeno exigiu-nos a intensificação de lutas contra os ataques desferidos a corpos, gêneros e sexualidades insurgentes, especialmente com o golpe de 2016.
De outro lado, os compromissos com o direito à saúde, com a defesa sustentável de todas as formas de vida no planeta Terra também exige-nos pensar e propor ambientes de debate e circulação de conhecimentos que favoreçam ao alcance destes compromissos. A produção de conhecimento no campo de estudos de corpo, gênero, saúde, sexualidade, sustentabilidade possibilita que as lutas e insurgências conectem universidade, sociedade, cientistas, docentes da educação básica, discentes, ativistas não só na denúncia do machismo, misoginia, sexismo, LGBTfobia, impactos ambientais, mas, sobretudo, na afirmação de experiências capazes de promover rupturas com padrões extrativistas como os cisheteronormativos, capitalistas, racistas. Apostamos em produção e circulação de conhecimentos que apontem para modos possíveis de ensejar experiências de expansão da vida, de todas as formas de vida.
Desse modo, este livro se inscreve como “um território de passagem” (LARROSA, 2002), ao arquivar textos que tangenciam o tema geral do evento, “Memórias, lutas e insurgências nas educações” em suas interconexões com corpo, gênero, sustentabilidade, saúde e sexualidade. Textos apresentados pelos/as palestrantes e coordenadores/as de Eixos Temáticos, que expandem a possibilidade de produzir outros efeitos e marcas possíveis para mundos sustentáveis. Os textos que integram esta coleção fazem vibrar as intensidades das insurgências construídas nos Seminários. Esperamos que eles produzam experiências, atuem como acontecimento. Que eles possam se constituir em ferramentas que nos favoreça, parafraseando Larrosa (2011, p.11) “[...] a dizer o que ainda não sabemos dizer, o que ainda não podemos dizer, ou o que ainda não queremos dizer. [...] ajudar-nos a formar ou a transformar a nossa própria linguagem, a falar por nós mesmo, ou a escrever por nós mesmos” (LARROSA, 2011, p. 11).
Nesse sentido, as publicações pós-seminários não se restringem a meros protocolos normativos de divulgações de textos produzidos para os eventos ou da tradução escrita dos textos das palestras, conferências. Eles resultam de processos de construção de lutas e resistências, de cada uma/um das/dos suas/seus autoras/es, das análises e experiências vividas em seus grupos, instituições, campos de investigação, e da escuta, debate e reflexão dos trabalhos apresentados em cada eixo e simpósio temático.
Temos, portanto, produções que nos revelam as diversas linhas de composição dos eventos e de um tempo vivido. Um tempo marcado pela historicidade, pelos afetos, pelas marcas que tecem subjetividades, corpos, vidas, experiências. Tempo da experiência de vidas e fazeres de pesquisadoras e pesquisadores, educadoras e educadores, ocupantes de lugares sociais, culturais, geográficos diversos, mas todas e todos ocupados com as seguintes garantias:
• da diferença – marca constitutiva e necessária na construção de uma vida decente;
• de processos verdadeiramente sustentáveis – uma sustentabilidade que assegure a manutenção das diferentes formas de vida no planeta;
• de uma educação de qualidade – uma educação que acolha e assegure a distribuição de conhecimentos a todas, todos e todes, de modo a facultar-lhes as ferramentas necessárias a leitura do mundo e da vida no tempo presente-passado-futuro; e,
• com a garantia de que as produções neoconservadoras e neoliberais em vigência fazem sucumbir e suplantar a vida no planeta, por isso devem ser desmontadas e superadas por produções outras. Produções que apostem nas diferenças, na sustentabilidade e em processos educativos plurais, justos e afetivos.
Convidamos você ao mergulho em cada texto, ao mergulho no livro. Desejamos que ele potencialize não apenas a experiência com as apostas apresentadas, mas a criações de outros mundos e modos de viver distantes dos ditames neoliberais e neoconservadores. Desejamos que os efeitos produzidos por estas escritas-vivas sirvam como aberturas e lugares de pensamento, lugares sensíveis, lugares de “memórias, lutas e insurgências nas educações”.
Boa leitura!
Elenita Pinheiro de Queiroz Silva
Paula Regina Costa Ribeiro
Teresa Vilaça
Vilma Nonato de Brício
Referências
DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo: Editora Boitempo, 2016.
LARROSA, Jorge. Tremores: escritos sobre experiência. Trad.: Cristina Antunes e João Wanderley Geraldi. Belo Horizonte: Autêntica, 2014.
LARROSA, Jorge. Experiência e alteridade em educação. Revista Reflexão e Ação, Santa Cruz do Sul, v. 19, n. 2, p. 4-27, jul./dez. 2011.
SATO, Michèle; PASSOS, Luiz A.; ANJOS, Alexandre; GAUTHIER, Jacques. Jogo de luzes: sombras e cores de uma pesquisa em educação ambiental. Revista de Educação Pública, v. 13, n. 23, 31-55, 2004.