INTRODUÇÃO O Rio de Janeiro tem o histórico de ser a cidade que mais recebeu escravizado durante três séculos de tráfico Atlântico das populações africanas no Brasil. Segundo a historiadora Monica Lima (2018), em consonância com o africanista Alberto da Costa e Silva, aponta que 60% de africanos foram destinados aos portos do Rio de Janeiro, sendo no Cais do Valongo o maior quantitativo destes portos entre XVIII e início do século XIX. É importante ressaltar que o Brasil foi o último país a abolir o sistema institucionalizado da escravidão. Portanto, é valido abordar, que a cidade do Rio de Janeiro pode ser inserida na termologia cidade negra elabora pelo historiador Sidney Chalhoub. Visto que, o tecido social é marcado pelas significações, práticas e politização de determinados grupos presentes historicamente no território, sendo importante exemplificar que: Em suma, a formação da cidade negra é o processo de luta dos negros no sentido de instituir a política. (…) Ao perseguir capoeiras, demolir cortiços, modificar traçados urbanos — em suma, ao procurar mudar o sentido do desenvolvimento da cidade —, os republicanos atacavam na verdade a memória histórica da busca da liberdade. Eles não simplesmente demoliam casas e removiam entulhos, mas procuravam também desmontar cenários, esvaziar significados penosamente construídos na longa luta da cidade negra contra a escravidão. (CHALHOUB,2011. p.232) Dado este pano de fundo, as lutas pelo reconhecimento da memória social e territorial negra no Rio de Janeiro permeiam as mudanças urbanas em diferentes temporalidades por meio de um imaginário moderno de cidade. Como na governança de Pereira Passos entre 1902 à 1906 e no período de Henrique Dodsworth 1937 a 1945, que segundo o geógrafo Renato Emerson dos Santos foram caracterizadas como políticas de branqueamento populacional que impactaram na constituição de memória de uma cidade negra. Diante do exposto, o processo de luta dos movimentos negros na década de 1980 é fundamental para os avanços e conquistas no reconhecimento da presença negra no território como é o caso da Pequena África. De acordo com o compositor Heitor dos Prazeres, no início do século XX, a dimensão territorial da Pequena África percorre do Porto à Praça Onze na área central do Rio de Janeiro. Tal abordagem tem relação direta com a presença negra já mencionada acima, mas o reconhecimento estatal vem por meio da pressão dos grupos presentes no território e dos movimentos negros para a patrimonização de diferentes temporalidades e espacialidades de lugares de memória negra como: Pedra do Sal, Cais do Valongo, Jardim Suspenso do Valongo entre outros por meio de circuito Histórico e Arqueológico de Celebração da Herança Africana com o Decreto N.º 34803 de 29 de novembro de 2011. No entanto, é importante ressaltar que de acordo com Santos (2022) a dimensão territorial identificada pelo poder público não condiz com a demarcação de Prazeres, em consonância com a geógrafa Paula Fernandes da Silva (2019), a dimensão racial da cidade está inscrita em diversas camadas da história e foram muitas vezes minimizadas no estudo das cidades e da sua formação. Ao mobilizarmos a categoria explicativa branqueamento do território que tem por analise três dimensões conceituais; branqueamento da cultura, branqueamento da imagem e branqueamento da ocupação, podemos perscrutar os discursos e práticas de gentrificação nas reformas urbanas. Portanto, o presente trabalho tem por objetivo analisar as intervenções urbanísticas no antigo Largo de São Domingos promovidas em dois momentos históricos no século XX (Primeira República e Estado Novo) como também, suas implicações para o reconhecimento do território como negro e pertencente a Pequena África. O Largo situava-se na atual Avenida Presidente Vargas próximo ao DETRAN com a dimensão territorial da Rua Camerino até as proximidades da Praça Tiradentes (na área central da cidade do Rio de Janeiro), demarcação corresponde a de Heitor Prazeres. METODOLOGIA Para o desenvolvimento deste trabalho houve o levantamento bibliográfico, elaboração de planilha e mapeamento das atividades negras e intervenções urbanas por meio das fontes iconográficas digitalizadas do acervo geral da Cidade do Rio de Janeiro e do Instituto Moreira Salles, da plataforma ImagineRio e o acervo da hemeroteca digital da Biblioteca digital com a analise do Jornal do Brasil. Para que possamos desmembrar as fontes, foram mobilizados os procedimentos teóricos-metodológicos sobre a temática do branqueamento e território nas obras de SANTOS (2019), SODRÉ (2002), SANTOS (2003), SKIDMORE (1979), LAO-MONTES (2019) entre outros/as. Autores esses essenciais para a análise da construção dos mecanismos governamentais para o branqueamento do território, além da formação do território brasileiro diante das conjunturas históricas de grupos marginalizados como é o caso da população negra. Outros teóricos são de igual relevância para articular às fontes na construção desta pesquisa como NORA (1993) e POLLAK (1992), para debater as problemáticas de lugar, memória, politicas direcionadas para a preservação da memoria coletiva, apagamento e silenciamento de histórias como é o caso do largo na dimensão nacional da Pequena África. Além disso, pode-se observar em âmbito político e social as disputas de memória produzidas no reconhecimento de determinados territórios. Por fim, mas não menos importante, as leituras sobre o Largo de São Domingos como de MOURA (1995), FRIDMAN (2017) e SANTOS (2022), mesmo que não se dedicam de forma integral à temática, mas nos ajudam a contextualizar o objeto na historiografia, tal como na ampliação de perspectiva territorial da Pequena África e a central de discuta narrativa em torno da mesma. RESULTADOS E DISCUSSÃO Ao retomarmos as discussões acerca da busca de resgate historiográfico e dimensional da Pequena África, o mapeamento das grafagens espaciais negras na Pequena África são fundamentais para compreender os apagamentos da memória negra e branqueamentos promovidos por intervenções urbanas nos discursos de revitalização ou modernização do território. Além de diversas dimensões de experiências negras no espaço urbano em diferentes temporalidades como a demarcação nominal do território, antes conhecido como Campo da Cidade para Campo de São Domingos, está relacionada à inauguração da Capela de São Domingos em 1706, como espaço de uma Irmandade negra. Outrossim, algumas Irmandades negras foram abrigadas nas instalações da Igreja de São Domingos e outras recebem tereno como é o caso da Irmandade de Santo Elesbão e Santa Efigênia. As diversas irmandades promovem trocas culturais, conflitos étnicos e ainda o poderio institucional no território, bem como a permanência dessas Igrejas até a demolição do Largo em 1943. Além disso, a partir do mapeamento territorial do Largo de São Domingos foram observadas intervenções diretas de branqueamento no território como é a tentativa de modificação nominal reportado no Jornal do Brasil em 1905, a retirada do chafariz ou a abertura de uma avenida que corta e demoliu casas no Largo no período das reformas urbanas de Pereira Passos. E principalmente a intervenção definitiva com a demolida do Largo para abertura da Avenida Presidente Vargas no década de 1940. Assim, após a todas as etapas de leituras, analise das fontes, houve a produção de uma tabela com o mapeamento das intervenções e algumas manifestações negras nos dois contextos já mencionados. Por meio disso, foram desenvolvidas bases cartográficas com indicações dos pontos de modificação urbana, atividades e as irmandades negras presentes no antigo Largo de São Domingos, a temporalidade escolhida dos mapas foi 1910 devido a relação direta o período de nomeação do território por Prazeres. Portanto, como observado, esta pesquisa em andamento obteve como resultados parciais redescobertas de dimensões territoriais negras na Pequena África a partir do Largo. Com o intuito de contribuir para a reivindicação territorial da Pequena África junto aos grupos locais, intelectuais negros e os movimentos negros na promoção de memórias, representações e disputa de lugar no território. Além de apontar as três dimensões do branqueamento formulado por Renato Emerson dos Santos, como o apagamento da sua existência e memória. CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante do exposto este trabalho buscou relacionar diferentes campos do conhecimento como Geografia, História e Ciência Sociais para abordar o Largo de São Domingos como um território negro do mesmo modo que pertence a Pequena África. Visto que a interdisciplinaridade é uma abordagem metodologicamente estratégica para os estudos raciais frente a políticas de branqueamento no Brasil. Portanto, este trabalho tem por compromisso o resgaste da memória negra na área central do Rio de Janeiro como contribuição para a diáspora negra brasileira e estudos a respeito de relações raciais no século XX. Palavras-chave: Pequena África; Largo de São Domingos; Território; Branqueamento; Rio de Janeiro REFERÊNCIAS PAMPLONA, Patrícia. Lugares de Memória dos Trabalhadores#53: Igreja e Largo de São Domingos de Gusmão,Rio de Janeiro.2020. Disponível em: <https://lehmt.org/lugares-de-memoria-dos-trabalhadores-53-igreja-e-largo-de-sao-domingos-de-gusmao-rio-de-janeiro-rj-patricia-pamplona/ >. Acesso em: jan.2023 LIMA, Monica . História, patrimônio e memória sensível o Cais do Valongo no Rio de Janeiro. Outros Tempos, v. 15, p. 98-111, 2018. Disponível em: <https://www.outrostempos.uema.br/index.php/outros_tempos_uema/article/view/657/pdf.> Acesso em: Jan.2023 CHALHOUB, Sidney. Visões de liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na Corte. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. FRIDMAN, Fania. Donos do Donos do Rio em Nome do Rei. Uma História Fundiária da Cidade do Rio de Janeiro.1d. Rio de Janeiro. Garamond.2017. SILVA, Paula Fernandes. Raça e cidade: a produção do Espaço Urbano sob a ótica das relações raciais na cidade do Rio de Janeiro, século XIX. XIII Enanpege. A geografia brasileira na ciência-mundo: produção, circulação e apropriação do conhecimento. São Paulo. 2019. Disponível em: <https://pt.scribd.com/document/423837639/Xiii-Enanpege-caderno-de-Programacao>. Acesso em: Nov.2023 MOURA, Roberto. Tia Ciata e a Pequena África no Rio de Janeiro/Roberto Moura. 2ª edição. Rio de Janeiro; Secretaria Municipal de Cultura, Dep. Geral de Doc. e Inf. Cultural, Divisão de Editoração, 1995 NORA, Pierre. Entre Memória e História: a problemática dos lugares. In: Projeto História. São Paulo: PUC, n. 10, p. 07-28, dezembro de 1993. POLLAK, Michael, Memória, esquecimento e silêncio. 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