A viol?ncia obst?trica n?o ? uma novidade enquanto modalidade de abuso, desrespeito e maus-tratos contra as mulheres, de acordo com a Organiza??o Mundial de Sa?de (OMS). Em 2014, a OMS emitiu uma declara??o , segundo a qual abusos, maus-tratos, neglig?ncia e desrespeito durante o parto equivalem a uma viola??o dos direitos humanos fundamentais das mulheres, como descrevem as normas e princ?pios de direitos humanos adotados internacionalmente.
Em 2016, o inqu?rito nacional sobre parto e nascimento ?Nascer no Brasil? mostrou que as pr?ticas prejudiciais ou ineficazes ainda s?o rotina no pa?s. Entre as entrevistadas, 70% foram puncionadas (? piquer), 40% receberam ocitocina sint?tica e 40% passaram por amniotomia. Entre as mulheres que pariram (48% da amostra), 92% estavam em posi??o de litotomia, 56% foram submetidas a epsiotomia, 37% receberam a manobra de Kristeller (aplica??o de press?o na parte superior do ?tero durante o per?odo expulsivo).
A partir da ocorr?ncia de uma disputa conceitual e pol?tica sobre o contexto dessas pr?ticas consideradas desrespeitosas e desnecess?rias, esse trabalho tem por objetivo compreender as diferentes percep??es a respeito das caracter?sticas e das formas de preven??o e responsabiliza??o desse tipo espec?fico de viol?ncia de g?nero, a viol?ncia obst?trica. Partimos do pressuposto de que a viol?ncia obst?trica ? uma das formas de viol?ncia contra as mulheres. Essa viol?ncia ? decorrente de uma estrutura desigual de g?nero, que produz uma desvaloriza??o sistem?tica da vida das mulheres e das meninas, refletindo na baixa aloca??o de recursos (culturais e econ?micos), nos cuidados com rela??o ? maternidade, em diversos pa?ses do mundo. As mulheres em trabalho de parto, no puerp?rio ou em processo de abortamento, nesse contexto, t?m poucas escolhas e est?o em situa??o de vulnerabilidade. As situa??es de abuso, desrespeito e maus-tratos, como tamb?m o uso rotineiro de pr?ticas ineficazes ou desnecess?rias se constituem em raz?o de uma discrimina??o estrutural contra as mulheres.
Se a viol?ncia obst?trica existe, ainda que n?o haja consenso em rela??o ao nome sob a qual se deva conhecer suas pr?ticas, tamb?m ? verdade que diferentes instrumentos normativos internacionais reconhecem a import?ncia e a urg?ncia de uma aplica??o universal dos direitos e princ?pios relativos a igualdade, seguran?a, liberdade, integridade e dignidade em rela??o ?s mulheres, o que podemos denominar de uma "Justi?a de G?nero"..
Nos propomos a analisar as condi??es de possibilidade de uma leg?tima reivindica??o por maior seguran?a para as mulheres na gravidez, no parto e no abortamento, a partir da valoriza??o da capacidade de escolha das mulheres. Ainda que essa capacidade de escolha, como ? sabida, esteja em maior ou menor grau aprisionada em um modelo de assist?ncia de sa?de dominado por uma l?gica de subjuga??o dos corpos, dos desejos e dos direitos das mulheres.