IIntrodução:
Questionar a auto percepção do estado de saúde, ou de como a pessoa se sente, é uma prática habitual em consultas clínicas na área da saúde. Essa auto-percepção sobre o estado de saúde é conhecido como autorrelato de saúde (ARS). O ARS é um item único de uso comum, considerado relevante e um importante preditor dos principais resultados de saúde na população idosa. Segundo Jylhä (2009), o ARS baseia-se em solicitar ao indivíduo que avalie o seu estado de saúde em uma escala de 4 a 5 pontos, onde as pessoas podem classificar a saúde como “ruim, pobre, intermediária, bom ou excelente” Essa simples questão tem vantagens e limitações que resultam da natureza única de sua medida: sendo abrangente, inclusiva e absolutamente não-específica . Tem sido relatado que este recurso permitiu capturar dimensões da saúde que não puderam ser capturadas por informações ou exames mais detalhados, de forma que vem sendo considerada um preditor de mortalidade entre homens e mulheres em diferentes partes do mundo.
De maneira similar, medidas objetivas de desempenho funcional são associadas a desfechos adversos em saúde em diferentes populações, incluindo incapacidade, hospitalização e mortalidade . Tais medidas incluem testes físicos como de equilíbrio, força muscular e velocidade de caminhada, e apresentam vantagens de serem sensíveis a modificações ao longo do tempo.
A relação entre o ARS e medidas de desempenho funcional já foram relatadas na literatura, porém para nosso conhecimento, esta associação vem sendo sub investigada em populações de baixa renda, como no Nordeste do Brasil. Sabe-se que medidas subjetivas como o ARS são passíveis de viés, principalmente em populações com baixos níveis de escolaridade e renda e questiona-se se esta é uma forma válida de identificação do estado de saúde, se relacionando a medidas objetivas, como as medidas de desempenho funcional, em uma população socioeconomicamente desfavorecida do nordeste brasileiro.
Metodologia:
Para a avaliar a associação entre o ARS e as medidas objetivas de performance física foi realizado um estudo transversal analítico, onde 571 mulheres de baixa renda com idades entre 40-80 anos, residentes na comunidade nas cidades de Santa Cruz e Parnamirim, no estado do Rio Grande do Norte, foram avaliadas com os seguintes itens: 1) Autorrelato de saúde: as participantes foram questionadas com a seguinte pergunta: “No geral, como você diria que sua saúde é?”. As seguintes opções de respostas foram dadas: excelente, muito boa, boa, mais ou menos ou ruim. Para a análise de dados, as mulheres foram divididas de acordo com sua resposta do ARS em dois grupos: saúde boa (para as que responderam excelente, muito boa e boa) e saúde ruim (aquelas que responderam mais ou menos e ruim); 2) Força de Preensão Palmar: avaliada com um dinamômetro manual Saehan® no membro dominante, com a participante posicionada como recomendado pela Sociedade Americana de Terapeutas de Mão (FESS, 1992). Eram solicitadas 3 contrações voluntárias máximas de 5 segundos, com 1 minuto de intervalo entre as medidas, e utilizada a média aritmética das 3 medidas para análise; 3) Força de Extensão do Joelho: avaliada com o dinamômetro portátil modelo MicroFET2®, no membro inferior dominante. A avaliação foi feita com a participante sentada, com joelho a 90 graus de flexão. O dinamômetro era posicionado na região distal da face anterior da perna (na altura dos maléolos), sendo fixado pelo terapeuta com auxílio de fita anelástica. Nesta posição, a participante era solicitada a realizar 3 contrações isométricas máximas de extensão de joelho, com 1 minuto de intervalo entre as medidas, sendo utilizada a média aritmética destas para a análise; 4) Velocidade da Marcha: a participante era orientada a caminhar uma distância de 4 metros em passo habitual. O tempo dispendido para a caminhada em duas tentativas foi registrado com um cronômetro. O menor tempo foi utilizado para cálculo da velocidade da marcha em metros por segundo; 5) Teste de Sentar-Levantar: avaliado por meio do registo do tempo em segundos em que a participante sentava e levantava de uma cadeira, o mais rápido possível, por 5 vezes seguidas.
Análise de dados:
Os dados foram analisados através do Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) 20.0. Primeiramente, para a análise descritiva foi realizado o Teste T-Studant para amostras independentes e o teste de Qui-Quadrado para comparar proporções. Para avaliar a associação entre o ARS e a performance física foi realizado o modelo de regressão linear, ajustado pelas covariáveis (Idade, renda familiar, educação, IMC, número de comorbidades e status menopausal).
Resultados e Discussão:
Foram avaliadas 571 mulheres que foram divididas em dois grupos de acordo com sua resposta do ARS e as características da amostra estão descritas de acordo com cada grupo na Tabela 1. O grupo “saúde boa” apresentou média de idade menor, menor proporção de pessoas com menos de 8 anos de estudo e com renda familiar menor que 3 salários mínimos, e menor proporção de pessoas com 3 comorbidades ou mais comparados ao grupo “saúde ruim”.
A tabela 2 apresenta os resultados das análises de regressão linear múltipla para as variáveis de desempenho físico em relação ao ARS. O ARS se relaciona com todas as medidas de desempenho físico, com exceção da velocidade da marcha, mesmo após o ajuste pelas variáveis de confundimento. O grupo “saúde boa” tem maior média de força muscular (1,5 e 2,8kgf para preensão palmar e extensão de joelho, respectivamente), e é quase 1 segundo mais rápido no teste de sentar levantar, em comparação ao grupo “saúde ruim”.
Nossos achados confirmam que o ARS é uma medida válida para a avaliação do estado de saúde de uma população de mulheres e idosas de baixa renda do nordeste do Brasil. Tal medida é, portanto, útil durante a avaliação clínica dessas pessoas, uma vez que quando houver a indicação de que a saúde é ruim, o clínico pode estar certo de que há uma alta probabilidade de que a pessoa apresente uma função física inferior, tendo maior risco de apresentar resultados adversos como imobilidade, hospitalização e morte que as demais.
Embora as diferenças entre os grupos em relação às médias dos resultados dos testes de desempenho tenham sido pequenas, estudos mostram que pequenas variações em testes objetivos são clinicamente relevantes por serem capazes de predizer mortalidade e incapacidade em diferentes populações. Sendo assim, as pessoas que relatam a sua saúde como ruim devem se beneficiar de medidas preventivas e de reabilitação como forma de melhorarem a sua função física e, consequentemente, a sua qualidade de vida.
Conclusão:
De acordo com os nosso resultados, o ARS é uma medida válida para avaliar o estado geral de saúde de mulheres de meia-idade e idosas, uma vez que está associado a função física mesmo após extensivos ajustes. Esse estudo forneceu ainda provas de que uma simples pergunta sobre a percepção do estado de saúde poderia ter implicações substanciais para o atendimento de mulheres de meia-idade e idosas de um local de baixa renda. Esse estudo destaca o ARS como uma ferramenta válida que pode nos ajudar na tomada de decisão, especialmente em países de baixa e média renda, onde os recursos são mais escassos, podendo reduzir também a necessidade de executar testes desnecessários, reduzindo os dados potenciais para o paciente e os custos para o sistema de saúde.