O presente trabalho – que retoma parte de nossa tese de doutorado, qualificada em 2017 no Programa de Pós-graduação em Letras e Linguística da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Alagoas – versa sobre os usos autênticos do memorando, gênero textual típico da esfera burocrático-administrativa estatal e empresarial, no âmbito do Instituto Federal de Pernambuco (IFPE), Campus Recife, durante os séculos XX e XXI. O objetivo principal deste estudo é discutir a relação entre gênero textual e tradição discursiva, buscando compreender como isso funciona no gênero memorando, visto que este construto genérico tem uma evolução, desde o seu surgimento até os dias atuais, impulsionada principalmente pelas transformações socioeconômicas e pelos avanços tecnológicos, dentre os quais a máquina de datilografia e o computador. No plano linguístico-discursivo, considerando-se as tentativas de desburocratização como formas de simplificar a linguagem burocrática, cujo cerne aponta para o banimento de expressões típicas do chamado burocratês, este trabalho sustenta que tais expressões constituem-se em tradições discursivas que marcam a história do memorando, especialmente pelo fato de este gênero textual ser um tipo específico de carta. Dos pontos de vista teórico e epistemológico, este trabalho filia-se a uma concepção de gênero textual de base sociorretórica, entendida como uma espécie de combinação entre a abordagem dos Estudos Retóricos de Gêneros (MILLER, 1984; BAZERMAN, 2009) e a perspectiva do Inglês para Fins Específicos (SWALES, 1990; BHATIA, 1993), em diálogo com os estudos do círculo bakhtiniano (BAKHTIN, 2003), especialmente no que diz respeito à noção de esferas da comunicação humana; a concepção de tradição discursiva adotada pauta-se pela contribuição de Kabatek (2005a; 2005b; 2012). Metodologicamente, trata-se de uma pesquisa de natureza qualitativa, respaldada por dados quantitativos no que diz respeito às recorrências, operacionalizada por meio da análise de um corpus constituído por 60 (sessenta) memorandos coletados no Arquivo Geral do IFPE, os quais circularam entre 1973-2014. Os resultados sinalizam que, a despeito das forças que normatizam a linguagem burocrática, as marcas linguísticas da formalidade e de uma pretensa impessoalidade configuram-se como tradições discursivas vivas no gênero em tela.