Como forma de controle e manutenção do poder, o patriarcado se apropria não só das práticas cotidianas, como profissão, participação política e cultural das mulheres, mas sobretudo de seus corpos. Desde a imposição das brincadeiras infantis, à proibição em usar roupas curtas como meio de evitar estupros, desde a gerência da maneira como sentar-se, como parir, da autorização de andar pelas ruas, à imposição da heteronormatividade compulsória, desde a vulgarização da prostituição e ao rechaço em tocar e ver a própria vagina, etc, etc, etc (ad infinitum), os corpos das mulheres e meninas são percebidos como mercadoria e meio de controle social. A autoria feminina que denuncia a violência sofrida e, por isso, salta a cerca do silêncio, ocupa um espaço de subversão que é ignorado por um sistema repressivo. É exatamente isso que faz Cláudia Lage (1970) em seu conto “Uma Alegria”. Nessa narrativa, Lage nos apresenta uma personagem feminina casada e com idade já avançada, que resolve buscar o seu prazer, conhecer a intimidade de seu corpo. Sozinha, cansada de toda uma vida de servidão e de negação de si mesma, desperta para algo que o cotidiano machista do matrimônio surrupiou: o direito ao orgasmo. Porém, até chegar a esse momento, a personagem passa por instantes de reviravolta existencial em que todos os rituais costumeiros de vida dedicada ao lar e ao esposo são reavaliados, suas crenças e sua forma de vida imposta são colocadas sobre a mesa e avaliados por ela mesma.