E-book IX CINABEH

E-book

ISBN: 978-85-61702-57-1
IX Congresso Internacional de Estudos Sobre a Diversidade Sexual e de Gênero da ABEH

E-book IX CINABEH

Prefácio

Este e-book é resultado do IX Congresso Internacional da ABEH (IX CINABEH)  realizado de 28 a 30 de novembro  de 2018 no Centro de Convivência e Instituto de Cultura e Arte  ( ICA) do Campus do  PICI da  UFC e no Centro Dragão do Mar de Arte e Culturade  Fortaleza. O evento foi realizado
pela Associação Brasileira de Estudos da Homocultura (ABEH) em parceria com a Universidade da Integração Internacional da Lusofonia  Afro-Brasileira (UNILAB) e a Universidade Federal do Ceará (UFC).

Assumi a coordenação dessas atividades por ter sido eleita presidenta da ABEH em  2016,   se tornando a primeira pessoa a se posicionar politicamente enquanto  travesti a ocupar este espaço. Durante a gestão construímos essa proposta de pensar o conhecimento de maneira intersecciona- lizada, aproximando diversidade sexual, gênero e raça. Essa ideia surgiu a partir dos debates na Diretoria e possui relação direta com minha experiência de vida como uma travesti docente e pes- quisadorada UNILAB. A  minha presença nessa Universidade e a presença dessa Universidade em mim, contribuiu para que surgisse essa integração epistemológica internacional a partir dos países de Língua Portuguesa.  A  diretoria da ABEH  foi desafiada  a construir um tema que explicitasse a nossa intenção. Foi assim que  nasceu a proposta:  “Diversidade Sexual, Gênero  e Raça: Diálogos Brasil-África”.

Não se trata apenas de realizar um congresso internacional, o desafio era tocar nas feridas que surgem a partir das violências cometidas contra as pessoas  que estão de alguma forma conecta- dascom este tema. A  intenção maior era provocar os pesquisadores  e as pesquisadoras para que pudéssemos  pensar de maneira mais ampla, para além das caixinhas, percebendo  a intersecção que existe entre nossos estudos e entre as vidas e as mortes que estudamos de maneira separada. Não se trata apenas  de falar sobre a violência contra os corpos das pessoas,  é preciso pensar  na violência epistemológica que as vezes cometemos quando  não conseguimos ver as pessoas como sujeitos/as da sua própria  história. No mundo  da história vivida, ao contrário do mundo  criado em parte  das nossas histórias escritas, não existe essa separação  radical, as diferenças  convivem no mesmo espaço e muitas vezes no mesmo corpo, carregando o estigma da violência e do preconceito.

Segundo a ONG Transgender Europe  (TGEU) desde  2016 o Brasil é o país que mais mata tra- vestis, transexuais e pessoas não binárias no mundo. Como mostrou uma das reportagens  do jornal Estadão de 05 de junho de 2018 a taxa de homicídios de negros no Brasil chega a 40,2, enquanto a de não negros fica em 16 por 100 mil habitantes. Pessoas negras e LGBTIs, brasileiras e estrangeiras, resistem cotidianamente  para sobreviver nesta sociedade machista, racista e xenofóbica. Nossas insti- tuições insistem em exterminar (ou capturar) as diferenças como forma de higienizar a humanidade. 

Ser negro ou negra LGBTI no Brasil muitas vezes significa passar  pelas situações de opressão, descriminação, preconceito e violênciaque anossa sociedade conservadora produz. Os grupos eco- nômicos, políticos e religiosos, fazem uso do estado, das igrejas e de outras instituições disciplinares e de controle, para negar os direitos e colocar em prática os efeitos nefastos da necropolítica. Ao mesmo tempo que temos lutas e lutos que poderiam  ser vistos como algo em comum, caminhamos para uma sociedade cada vez mais segregada, onde negros e LGBTIs neoliberais falam em meritocra- cia e empreendedorismo de si.

É isso que Mbembe chama de "O devir negro do mundo" em ação, há uma tendência de indivi- dualização das conquistas e das derrotas. Mas, ao mesmo tempo há uma flexibilização dos direitos, uma  tentativa de destruição das Legislações  Trabalhistas  e Ambientais,  de negação da própria História, os indivíduos não tem passado  (ou produzem um passado  sem fundamentação  histórica). Vivemos em um eterno presentismo, onde o passado e o futuro coletivo são descartáveis, aprende- mos a fazer passados  e futuros através de memes, como se todas as temporalidades se resumissem as linhas do Twiter, do facebook, do instagran e do whatsaap. Essa não é apenas uma realidade dos novos negros e LGBTs do mundo, é um devir negro ou LGBT do mundo, estamos nos transformando em peças descartáveis com a ilusão de que basta querer para conseguir, como se fosse apenas uma questão de vontade pessoal.

Nesse contexto de pós-verdade não podemos falar nem mesmo das política de identidade, por- que tudo é visto como“vitimismo”.  A expressão  “mimimi” se transformou  em uma maneira  velada (ou não) de mostrar que concorda com as atrocidades da sociedade e que é contra as vítimas, legi- timando  (muitas vezes de maneira cínica) o chicote dos agressores. Mas, as vezes quem  fala que os nossos  estudos  ou as nossas  lutas  são  apenas  “mimimi”e“vitimismo” são  os próprios  negros  e homossexuais, impregnados por essa visão racista e LGBTIfóbica. Chegamos a uma situação que precisamos defender a legitimidade das políticas de identidade e dos movimentos históricos con- quistados ao longo do século XX. Mas, essa situação não pode nos impedir de pensar para além das fronteiras da identidade, de encontrar as brechas, as fissuras, de caminhar fora das linhas desses- contornos, de perceber os encontros, os choques e as conexões que existem entre esses conjuntos.

Aprendemos a estudar separadamente os coletivos de cada diferença,  como se cada pesquisador ou pesquisadora fosse responsável por um grupo, se tornando especialistas nesse ou naquele tema. Precisamos de uma visão mais ampla, capaz de perceber as diferenças,sem esquecer da(re)uniões e das intersecções que fazem parte dessa cartografia. As identidades negrasnão estão isoladas, elas se cruzam comas identidadesLGBTIs e produzem novas geografias, que borram essas fronteiras. Não podemos falar de racismo e de LGBTIfobia sem relacionar com classe, com religiosidade, com origem geográfica, com a ausência de saúde, educação e de empregabilidade,  sem AFROntar esse  momento histórico de avanço das forças conservadoras. Não se trata apenas de um debate sobre o tipo de ciência que queremos,  é sobre o tipo de sociedade que desejamos,  não podemos  aceitar os retroces- sosque estão sendo planejados paraosnegros e as negrasLGBTIsdo Brasil, das Américas e das Áfricas. 

Este e-book tenta expressar um pouco desse sentimento de resistência, com a presença dos saberes de pesquisadores/as que contribuem  com produções  científicas e que lutam pela superação do racismo,do machismo, da LGBTIfobia e da Afrofobia. Agradeço a todos/as que contribuíram para o sucesso do IX CINABEH.   A Diretoria da ABEH, aos pesquisadores/as que disponibilizaram seus textos para esta publicação, a UNILAB, a UFC, a CAPES, oMDH,  a SEPPIR, ao Conselho Federal de Psicologia, ao Governo do Estado do Ceará, SEDUC-CE, ao Conselho Nacional de Combate à Discriminação LGBT, a Diretora LGBT Marina Reidel, a Deputada Federal Luiziane Lins, ao Ex Deputado Federal Jean Wyllis, a extinta  SECAD/MEC,ao Departamento de AIDS do  MS,  a UNAIDS e a todos(as) que participaram desse Congresso.

Profa. Dra. Luma Nogueira de Andrade
Presidenta da ABEH na gestão 2017-2018
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