IV CONIDIH / 1ª Edição 2019 - Vol 6

E-book

ISBN: 978-85-61702-65-6
IV Congresso Internacional de Direitos Humanos

IV CONIDIH / 1ª Edição 2019 - Vol 6

Prefácio

Refletir sobre os direitos humanos continua sempre uma atividade atual e necessária, pois, mesmo nas democracias consolidadas, verifica-se, historicamente, que, por força do pluralismo inerente à sociedade humana, a concretização desses valores normatizados possui uma dinâmica de avanços e retrocessos. O acompanhamento, portanto, deve ser constante. De forma específica, no atual cenário brasileiro ― a depender do ponto de vista ideológico, naturalmente ―, tem-se verificado tendências de declínio, pois o Governo, publicamente, sem muito apreço ao diálogo com as opiniões divergentes, demonstra compromisso com a cartilha econômica neoliberal e uma pauta conservadora de valores morais.  

Ora, somente os valores democráticos, a liberdade de expressão, o respeito às minorias e aos diferentes, principalmente dos mais frágeis, sempre salvaram o mundo das novas barbáries. Como a democracia é o regime de governo da tolerância e da divergência, impõe-se estimular reflexões sérias e fortes capazes de fazer frente às tentações autoritárias.  

O caminho do retorno ao progresso e à construção de uma sociedade justa passa pela implantação de políticas voltadas à educação e ao pensamento crítico quanto à efetividade dos direitos humanos, a exemplo do 4° CONIDIH, o 4° Congresso Internacional de Direitos Humanos, que teve como temática os Desafios do Diálogo Democrático na Construção da Cidadania. É preciso superar o discurso ideológico hegemônico, a fim de criar um mundo melhor e de assegurar um futuro promissor às gerações vindouras. Sem educação emancipatória, entretanto, essa missão torna-se impossível.  

O silêncio dos que deveriam defender a democracia, diante da imposição do pensamento único oficial, pode acabar deixando o caminho aberto à injusta opressão, especialmente daqueles que se encontram em posição de vulnerabilidade social. Quebrar o silêncio, entretanto, mediante a criação de uma pauta de resistência, requer a formação de uma “consciência emancipatória”, que pressupõe uma formação adequada, capaz de permitir a solução de problemas concretos por intermédio de consciência histórica e senso de responsabilidade em relação ao futuro.  

Nesse contexto, impõe-se perceber que a educação é o meio adequado e necessário, para permitir ao cidadão que integre a sociedade a que pertence e o mundo em que vive, e tem como objeto despertar e reconstruir, no ser humano, o conhecimento integral que envolve os valores prestigiados na sociedade, seus direitos e seus deveres em relação aos outros e à ordem social. Observe-se que educação e democracia participativa são dois fatores essenciais ao desenvolvimento, que significa a ampliação das oportunidades de modelar a vida e lhe definir um destino. A educação tem o condão de mudar as pessoas, tirá-las de qualquer estado de alienação, de modo que, conscientemente, elas podem lutar pelo seu reconhecimento, enquanto seres que merecem consideração e respeito, por um mundo sem opressão injusta e por práticas de respeito à escassez dos recursos naturais, propiciando, assim, um ambiente solidário que assegure um futuro decente à humanidade.  

O discurso de resistência hegemônica, pautado na ética solidária e na visão holística de mundo, tem papel essencial na conscientização e no estímulo de práticas de proteção ambiental e tutela dos direitos sociais, inclusive trabalhistas. A educação que se deseja no projeto de desenvolvimento é algo que não mais se confunde com a simples propagação descritiva do conhecimento e da informação. Não se trata da simples qualificação profissional. Pelo contrário, o desenvolvimento sustentável, por intermédio da educação emancipatória, resulta de um comportamento ético e consciente face aos bens e serviços limitados da Terra. Trata-se de uma educação para a sustentabilidade do consumo, do trabalho digno e da produção. Trata-se, enfim, de uma educação que não deve ser focada apenas na lógica da competição capitalista e no mercado (profissionalização), já que este, por si, não dá conta das legítimas aspirações imateriais, mas sim em relações sociais marcadas pelo respeito, convivência pacífica, cooperação e valorização do amor ao próximo e à natureza.  

Nessa perspectiva, a educação emancipatória termina sendo essencial ao acompanhamento adequado das ações estatais, analisando-as a partir da necessidade de observâncias dos comandos imperativos constitucionais e outros textos normativos de direitos humanos. No plano social, impõe-se recuperar o espírito de apreço pelo Outro, respeitando as
diferenças que são inerentes aos seres humanos. Há uma relação indissociável entre democracia e direitos humanos, e falar de democracia significa reconhecer e respeitar o modo
como a sociedade se identifica e constrói sua identidade democrática. Essa identificação, certamente, não pode ser externa, hierárquica e heterônoma, vindo de fora, eliminando a autonomia e o protagonismo decorrentes da dignidade humana. 

Os direitos humanos são produtos culturais, e, diante dessa perspectiva, impõe-se construir espaços de ação que demonstrem a existência de vida digna e respeitável fora do modelo padrão e hegemônico, representado por uma referência cultural que faz prevalecer, nas relações sociais, o ser humano masculino, heterossexual, branco, proprietário, maior de idade, europeu (ocidental), cristão e com êxito de ganhador (vitorioso). A educação para o exercício e a luta pelos direitos humanos, portanto, tem um papel fundamental contra essa estrutura simbólica, que pretende naturalizar as assimetrias e as desigualdades socioculturais, capaz de reduzir o Direito a mero instrumento técnico de controle e regulação. 

No plano econômico, é imperativo perceber que a globalização, caracterizada por um intenso processo de internacionalização das relações econômicas, sociais, científicas e culturais, e a ideologia neoliberal explicam a crise do modelo do Estado contemporâneo. O neoliberalismo, a redução das despesas públicas, a privatização das atividades estatais, a flexibilização das relações trabalhistas, a disciplina fiscal para a eliminação do déficit público, a reforma tributária e a abertura do mercado ao comércio exterior constituem a plataforma desse processo de expansão econômica, inclusive com efeitos relacionados à internacionalização da produção e à criação de mercados mundiais integrados.  

Pela dinâmica da globalização econômica, a Constituição é atacada como paradigma regulamentador, de forma que o Estado já não tem mais capacidade de incrementar a qualidade de vida dentro dos seus limites, bem como de assistir e proteger os mais vulneráveis dentro de suas fronteiras. Contraditoriamente, se, por um lado, a economia se expande, e o capital se concentra, criando um único espaço econômico e social, por outro lado, a política se reduz e se subordina à lógica do capital, de modo que a cidadania perde poder de decisão, a democracia se enfraquece, e se faz presente a crise de legitimidade.  

O que se observa é que a globalização, com a reestruturação do mercado internacional, provocou uma alteração na ordem interna dos países, impondo ao Estado uma visão macroeconômica da sociedade. Em outras palavras, com a globalização, revela-se cada vez mais crescente o domínio das empresas multinacionais, do sistema financeiro e do mercado de capitais sobre o poder político dos Estados, que, a partir dessa nova forma de expansão capitalista, passa a promover prioritariamente a racionalidade econômica de seu sistema.

Há uma séria desconfiança de que as mudanças climáticas, relacionadas ao aquecimento do planeta, por obra do estilo de vida imposto pelo sistema capitalista, e o risco de uma guerra nuclear são fatores reais que podem inviabilizar a permanência da humanidade na Terra. Na realidade, o  crescimento das desigualdades no mundo, o agravamento da crise climática, o caos político generalizado e a projeção da Organização das Nações Unidas (ONU) de que a população mundial chegará a 9,7 bilhões de pessoas exigem uma  reorientação do sistema político-econômico global, o que deve ocorrer por meio da concretização dos direitos humanos, em todas as suas possíveis dimensões. 

É urgente, portanto, criar uma agenda que reclame a efetividade do direito ao desenvolvimento, previsto, abstratamente, em Declaração específica adotada pela ONU (1986), e que demanda uma globalização ética e solidária. Assim, as crises sucessivas do capitalismo, as falhas de mercado, a concentração do poder econômico e a assimetria entre as nações têm deixado clara a necessidade de os Estados atuarem no espaço econômico, não apenas para criar condições para o acúmulo de capital, mas, a fim superar a sempre crescente exclusão social, para cuidar de valores éticos, pois, sem eles, sem finalidades morais, a economia contemporânea não readquire seu necessário equilíbrio. 

O fortalecimento da democracia e da justiça social é componente indispensável à concepção do direito ao desenvolvimento, que, inspirado no valor da solidariedade, há de prover igual oportunidade a todos no acesso a recursos básicos, como educação, saúde, alimentação, moradia, trabalho e distribuição de renda. Ademais disso, compreendem, no direito ao desenvolvimento, os princípios da inclusão, igualdade e não discriminação, especialmente nas questões envolvendo igualdade de gênero e necessidades dos grupos vulneráveis. Para a plena realização do direito ao desenvolvimento, é imperioso reformar as instituições internacionais, especialmente do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional, quanto ao comércio, à dívida e à transferência, a ponto de se garantir, sempre, um orçamento mínimo e básico aos Estados, para salvaguardar os direitos humanos. 

Impõe-se perceber que os direitos humanos funcionam como direitos de defesa, normas de proteção de institutos jurídicos, garantias positivas do exercício das liberdades e no dever de proteção, funções essas que devem ser compreendidas em uma “relação de complementariedade”, viabilizando as concepções modernas de democracia e cidadania, já que àqueles baseiam-se na intuição da irredutibilidade do ser humano ao todo do seu meio social, e no pressuposto de que a sua dignidade se afirmará com a existência de mais liberdade e menos privilégios. Enfim, o cidadão apenas terá liberdade real de participação no processo político, comunicando a sua existência e as suas preferências, quando deixar de se preocupar com questões básicas da sua sobrevivência ou das suas necessidades sociais mais imediatas e que são inerentes à sua condição humana (saúde, alimentação, educação, trabalho, habitação etc.), sendo essencial, para a consolidação da democracia real no Brasil, a efetividade dos direitos sociais.
 
Diante de todo esse cenário, lançando luz sobre esses significados e essas relações, fica evidente a importância do livro em apreço, fruto das reflexões vivenciadas no 4° CONIDIH, organizado pela UEPB (Universidade Estadual da Paraíba), um evento que já faz parte da tradição cultural de Campina Grande (PB), com inegáveis reflexos internacionais, e se fortalece a cada ano.  

Boa leitura! 

Flávio Romero Guimarães
Paulla Christianne da Costa Newton 
Ricardo dos Santos Bezerra
Sérgio Cabral dos Reis 
(Organizadores) 
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